sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Resenha do livro "Ameaça de 7 cabeças", de Pedro Bandeira

BANDEIRA, Pedro. Ameaça de 7 cabeças. 8 ed. São Paulo: Moderna, 1985. Coleção Veredas.

Ameaça de 7 cabeças (1985) é um livro do renomado escritor Pedro Bandeira, autor de clássicas obras da literatura infantil e infanto-juvenil nacional. Escrito em 1985, último ano da ditadura militar brasileira, a obra é uma sátira desse período negro e conturbado do país.

A história acontece numa cidade chamada Findomundo, um local pacífico, onde as pessoas escolhiam quem exercia muitas funções de sua sociedade, aparentemente, satiricamente, aristocrática: “o povo votava para rei, para príncipe, para princesa, para rainha, para ministro, para deputado, para marquês e até para técnico da seleção findomundense de futebol” (BANDEIRA, 1985, p. 5). Claramente, o oposto do que acontecia de fato no Brasil, na época; ao mesmo tempo, uma vontade do que deveria acontecer, uma espécie de democracia — que no livro é absurdamente exagerada, para efeito cômico.

O nome do rei eleito era Kakéticus I, um ex-sapateiro caquético (talvez para ironizar que o sistema vigente, tanto na obra quanto no Brasil, já estava ultrapassado, desgastado). O rei era uma pessoa justa, só reinava “respeitando as leis que os deputados aprovavam. Os deputados também eram eleitos pelo povo, e ninguém se queixava das leis, porque elas eram do jeitinho que todo mundo queria” (idem, ibidem, p. 6). O trecho nem precisa de explicação.

Todavia, é preciso ressaltar que não se podia votar para todas as funções e empregos do Findomundo, apenas

(...) para cargos que não exigiam especialização, como rei, primeiro-ministro e porteiro de teatro. Os trabalhos importantes, como de sapateiro, bailarina, professor e palhaço, eram feitos por quem tinha jeito para a coisa. Todo mundo sabe que qualquer palhaço pode ser ministro da Fazenda, mas não é qualquer ministro que consegue ser um bom palhaço. (idem, ibidem, p. 6).

Trecho bem atual, pois até hoje a política brasileira recebe palhaços, ex-jogadores de futebol e outras pessoas que não entendem muito de política, mas que foram escolhidos pelo povo para representá-lo.

Quem narra a história é um cidadão comum, um vendedor de bolhas de sabão, parceiro de um poeta, Simão, que também tenta comercializar os seus textos. Ambos não vendem nada. É interessante esta observação do narrador: “Todos gostavam de ouvir Simão declamar seus versos, mas ninguém comprava nenhum” (idem, ibidem, p. 8). O trecho demonstra a desvalorização pelos artistas, pela arte, logo, pela própria cultura. Uma realidade existente até hoje.

Tudo ia bem, até que, um dia, de repente, ouviu-se um estrondo enorme, seguido por um fogaréu no alto do Corcovado. Embora quase todos tenham entrado em pânico, há quem os ignorou e pensou em lucrar com a situação: “— Que bacana! Um vulcão no Findomundo! Isso pode ser bom para o turismo!” (idem, ibidem, p. 12). Não deixa de ser uma amostra de que o capitalismo se aproveita de qualquer circunstância para obter ganhos, mesmo que isso represente o perigo de algumas pessoas e do seu próprio ambiente.

Estavam discutindo o ocorrido, quando chegou um cavaleiro autoritário, xingando todos os presentes, inclusive o rei, alegando que ele, o cavaleiro, foi quem defendeu a cidade da ameaça no Corcovado, um dragão de sete cabeças (que ninguém viu). É interessante notar a descrição desse personagem, porque ele lembra um pouco a figura de Dom Quixote de la Mancha, e também tem um nome chamativo, Don Pendragon de Cantalupo: “Estava meio estropiado, com a cara suja, o nariz arranhado, lança partida, espada gotejando sangue e quebrada a pluma que lhe pendia do elmo” (idem, ibidem, p. 13).

Deve-se perceber, também, que o cavaleiro, além de agressivo e autoritário, utiliza-se de uma linguagem rebuscada, para enganar os pacíficos cidadãos de Findomundo, tal como alguns políticos fazem até hoje, quando usam mesóclises, por exemplo. Veja a primeira fala do personagem: “— Idiotas! (...) Pascácios! Nem merecíeis que eu tivesse arriscado a vida para salvar vossa cidade miserável!” (idem, ibidem, p. 13).

Dessa forma, Don Pendragon simplesmente toma o poder da cidade, alegando que tem direito por ser o único que enfrenta o dragão quase imortal, pois nasce uma nova cabeça sempre que uma das sete é cortada. Assim, o cavaleiro ganha o respeito e a admiração do povo alienado e medroso, que tem medo de subir ao Corcovado, ao mesmo tempo em que a nação vive sob a ameaça de uma possível invasão do dragão, notícia espalhada por Pendragon.

O fato pode ser relacionado à ditadura militar que se instaurou no Brasil, quando os militares tomaram o poder, justificando que estavam a defender o país de uma invasão ou ditadura “comunista”. Ao final, anos depois, viu-se que não havia ameaça nenhuma, mas, pelo contrário, havia acordos e objetivos entre as elites de alguns países da América.

O povo de Findomundo começou a viver em desespero, enquanto o cavaleiro, que inventava as histórias sobre o monstro, dormia tranquilo, na mordomia do reino. De vez em quando, Pendragon pegava o seu cavalo e subia ao Corcovado, voltava sempre sujo e arranhado, dizendo que venceu mais uma batalha contra o monstro, que infelizmente não morreu. Ainda assim, havia quem quisesse lucrar com a situação de “guerra”. Eram os sensacionalistas e capitalistas daquele mundo:

Daria gosto ver um espetáculo como aquele. Foi até pensando nisso que o Ministro do Turismo tentou vender ingressos, com direito a transporte até o Corcovado, para a tremenda luta entre o dragão e o bravo Don Pendragon de Cantalupo. Como a coragem dos possíveis espectadores fosse menor que sua curiosidade, o Ministro tentou vender ingressos para quem não quisesse assistir à grande luta. (idem, ibidem, p. 27)

Quando o cavaleiro soube que aquele local possuía um rei e que este era eleito pelo povo, caiu na gargalhada:

— Ah, isso sim que é uma cidade boa para ser destruída pelo dragão. Cretinos! Então não sabeis que o povo existe para obedecer e que somente alguns nascem para comandar?
(...) Uma ameaça muito maior que a vossa ignorância está às vossas portas, e só eu posso enfrentá-la. Precisamos organizar a defesa. Quem é o vosso Ministro da Guerra?
(...) Não tendes Ministro da Guerra? Não é possível!
(...) Serei eu vosso Ministro da Guerra!
(...) O quê?! (...) Quem sois vós, perituros camponeses, para opinar se Don Pendragon de Cantalupo deve ou não assumir o papel que o dedo do destino lhe apontou? Então pensais que o nobre sangue que me insufla as veias precisa da vossa aprovação para qualquer coisa? (idem, ibidem, p. 29-30).

A partir desse momento, a pequena cidade de Findomundo começou a viver uma ditadura, sob ameaças, censuras e prisões. Os ladrões, que antes eram escolhidos a dedo, sob votações do povo, presos de mentirinha (o que alude às falsas investigações e aos falsos julgamentos reais), só para haver emprego para delegados, juízes, policiais etc.  — de certa forma, uma “indústria do crime” —, agora seriam presos de verdade. E para construir os presídios/calabouços, deve-se “(...) aumentar os impostos! — berrou o herói. — O povo precisa pagar, para sentir o quanto custa enfrentar o inimigo!” (idem, ibidem, p. 33).

Todavia, mesmo com um exército e desfiles diários das tropas, cada dia mais, as pessoas estavam com medo. Agora, nem coragem para levantarem a cabeça e olharem para o Corcovado tinham. Nada mais real, pois as ditaduras só sobrevivem através do medo.

Por causa da censura, obviamente, a arte seria barrada. Foi o caso de Simão, o poeta, amigo do narrador, que foi preso, simplesmente por fazer versos sobre o tal monstro do Corcovado e rimou “cavaleiro” com “embusteiro”. Em sua defesa, disse: “Meu poema só ajudou a lutar contra o dragão. Pois a arte, quando é livre, desmascara a desgraça, fortalece o ameaçado a enfrentar a ameaça. Ela afasta o medo cego, dá a força e a consciência, abre os olhos à verdade e convoca à resistência!” (idem, ibidem, p. 39). Note que, embora escrito em prosa, as falas do personagem sempre rimam.

Mas não adianta nada dialogar com o ditador, que não aceita as suas desculpas, o que rende um bom diálogo:

(...) Poeta, de agora em diante, trarás para mim todos os versos que compuseres. Em três cópias, muito bem escritas. Só depois que eu me certificar que neles não há nenhuma traição é que poderás declamá-los!
(...) — Ordenas o impossível, cavaleiro Pendragon. (...) Na poesia, a liberdade é a razão de quase tudo. Se meu verso não for livre, será como ficar mudo!
— Pois fica mudo, então! (...) O Findomundo pode muito bem passar sem tua poesia. O que esta cidade precisa agora é de segurança contra o dragão. Não de versos. Muito menos versos como os teus, que solapam o espírito do povo, deixando-o à mercê da grande ameaça! (idem, ibidem, p. 40).

Após algumas discussões, acontecem alguns desentendimentos e prisões de personagens importantes, o que ocasiona no inesperado e diferente (por conta do narrador) desenlace da trama, que fica para quem ler a história completa.

Em suma, Ameaça de 7 cabeças é um excelente livro, que, ao mesmo tempo em que diverte, critica problemas da sociedade da época, que infelizmente existem até hoje (afinal, quando se corta uma cabeça, outra nasce...). Escrito numa forma simples, dividido em pequenos capítulos, repleto de bons e inteligentes diálogos, a obra pode ser lida rapidamente, numa única tarde. Embora faça parte da Literatura Infantil/Infanto-Juvenil, a história pode ser apreciada por leitores de qualquer idade. A propósito, quem vivenciou o período da ditadura militar brasileira, que terminou no ano em que o livro foi escrito, pode fazer muito mais analogias.

Pedro Bandeira é um renomado escritor brasileiro, autor de clássicos como A Droga da Obediência, A Droga do Amor, A Droga de Americana e O Fantástico Mistério de Feiurinha.

Carlos Siqueira é formado em Letras – Português, Inglês e respectivas Literaturas, na Faculdade de Santo André, SP.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Relato pessoal: Pumpkins United

Breves relatos sobre minha relação com a banda Helloween

Lembro-me como se fosse ontem, primeiro ano do Ensino Médio, 2009, quando um recente amigo, o Rafael Sponton, me perguntou se eu gostava de Metal e eu respondi que não. Então ele me emprestou um CD com as músicas que gostava (a maioria era de bandas de Power Metal, nacionais e internacionais, as quais eu desconhecia todas). Ouvi com atenção e aos poucos fui gostando, principalmente de três bandas: Angra, Stratovarius e Helloween. É desta última que falarei.

O álbum que mais me chamou a atenção foi o The dark ride, por ser obscuro, pesado e melódico. Adorei a Mr Toture logo de início, assim como o riff de Escalation 666, a balada If I could Fly e a longa Dark ride. Porém, pessoalmente, em qualquer banda, o que mais gosto de ouvir são os vocais. Aprendi que o nome daquele vocalista — que se tornaria o meu preferido da banda — que canta do rasgado ao agudo é “Andi” Deris.

Passou-se um tempo e me indicaram um site que, ao menos naquela época, era razoavelmente bom, o Whiplash. Passei a ler tudo sobre a banda e, assim, comecei a ouvir os outros álbuns do Helloween. A segunda paixão foi o The Keeper of the seven Keys – part II, um álbum perfeito, clássico do começo ao fim. Impossível não se impressionar com os vocais do segundo vocalista, Michael Kiske. A potência e a extensão vocal dele são incríveis até hoje, o que o faz ser um dos melhores vocalistas de Heavy Metal e ser adorado por inúmeros fãs no mundo todo.

Aprofundando-me cada vez mais, voltando no tempo, cheguei ao primeiro álbum deles: Walls of Jericho. Que porrada! Se eu achava o The dark ride pesado, Walls of Jericho era pesadíssimo, coisa de deixar até alguns discos de bandas de Thrash Metal para trás! O vocalista também era diferente, cantava agudo, cantava baixo, cantava de forma agressiva, às vezes desafinava (o que aprendi, no Orkut, que só ele tinha esse direito), pois bem, era o Kai Hansen, primeiro vocalista, guitarrista, fundador da banda e até do gênero Power Metal.

Desta forma, eu, que não conhecia nada de Metal, virei um grande fã do estilo e do Helloween. Nunca deixei de ouvi-los. Pelo contrário, sempre os indiquei a quem não os conhecia. Assim que entrei na faculdade, em 2014, tive a oportunidade de trabalhar uma música num trabalho em grupo e eu sugeri que usássemos o eterno clássico I want out, que somente uma amiga — também fã de Heavy/Rock — conhecia.

Minha ideia foi aceita e após termos apresentado o trabalho, criei este blog e publiquei o texto-referência que usamos para fazê-lo. Em seguida, enviei-o para o site Whiplash, onde obtive um número muito maior de leitores. Conheci algumas pessoas por conta de minhas análises também, que passei a fazer de vez em quando.

Pois bem, depois de muitos anos ouvindo a banda, “agora”, no fim de 2016, foi anunciado uma turnê histórica, a Pumpkins United, que reuniria a banda atual mais os ex-integrantes Kai Hansen e Michael Kiske, guitarrista e vocalista da fase clássica do grupo. Este era o sonho de muita gente. Mais do que sonho, era a utopia de alguns, poder ver os guitarristas Kai e Weikath tocarem juntos e o Kiske cantar os antigos clássicos da banda, além de dividir os vocais com o atual (desde 1993) vocalista, Andi Deris.

A ansiedade começou no fim do ano passado, em novembro, quando começaram as vendas dos ingressos para o show, que aconteceria somente no dia 28/10/2017. Comprei o meu e o de um amigo no segundo dia, ainda bem, pois no terceiro já estavam esgotados. A casa de show, Espaço das Américas, não é muito grande, cabe apenas umas sete mil pessoas, então anunciaram uma nova data, um dia depois do primeiro concerto. Os ingressos também foram esgotados imediatamente. Por quase um ano, esperamos por esse dia. Na verdade, muita gente esperou a vida inteira, pois o show aconteceria dentro de onze meses, mas aquela reunião histórica demorou décadas para se concretizar...

Maior ansiedade chegou poucos dias antes do evento, pois anunciaram a gravação de um DVD! Os dois concertos em São Paulo seriam gravados!
 //

Mal amanheceu o dia 28/10/17 e dois amigos, os quais eu só conversava pela internet, mandaram-me mensagem (separadamente, porque nem se conhecem) para tentarmos nos encontrar no show. Eu já iria acompanhado também, com um amigo de longa data, da mesma idade (23), que mora no mesmo bairro, que estudou comigo da quinta série (2005) até o terceiro ano do ensino médio (2011), a saber, o Marcos Vinícios.

Os portões abririam às 19h, o show começaria às 21h, saímos de casa às 15h30, chegamos ao local às 17h30, a fila já estava enorme, quase todo mundo de preto. As estampas das camisas variavam, de Helloween a Iron Maiden, de Primal Fear a Angra, de Motorhead a AC/DC (bandas muito diferentes do estilo da que veríamos em poucas horas).

Tudo ocorreu muito bem. Um dos colegas que havia mandado mensagem, o Vagner Fagá, me avisou onde estava, fui me encontrar com ele. Deixei o amigo na fila e fui. Mal o encontrei, ele, que estava com um amigo também, estava numa discussão acerca de qual o melhor álbum do Blind Guardian, banda que também gosto muito. Depois, passamos a falar dos trabalhos do Helloween e que aquele show seria histórico para a banda e para todos que estavam ali, pois cada um tinha um motivo especial para vê-los (essa última frase foi do amigo do meu amigo).

A conversa estava boa, nem vimos a hora passar, mas assim que os portões foram abertos, meu amigo ligou para me avisar. Infelizmente, tive de ir para o fim da fila novamente. Me despedi do Vagner e do amigo dele, que foram para a fila da Pista Premium (que eu sempre me recusei a pagar e penso que todo mundo deveria boicotá-la), enquanto eu fui para a Pista Comum. Foi um prazer conhecê-los pessoalmente.

Meu amigo Marcos já estava lá dentro, a cinco metros da câmera central que gravaria o show. Outro pequeno infortúnio: mandaram eu jogar fora um pacote de bolacha que estava dentro da mochila. Era isso ou comê-la na hora, ou pagar cinco reais para guardá-la até o fim do concerto. Com muito pesar, joguei-a fora. Meu coração dói só de lembrar...

Assim que entrei, não foi difícil achar o meu amigo, o problema, mesmo, foi alcançá-lo... Havia muita gente na frente. Até pessoas que eu conhecia de vista, da cidade onde moro, Ribeirão Pires, que eu nem sabia que gostavam da banda... Depois de uns minutos de espera, quando deram uma brechinha, consegui passar.

Juntos, esperamos por uma hora e meia, observando o pessoal espalhar bexigas laranja, como foi combinado na internet, dias antes. Nisto, recebi mensagem do outro amigo, o Marcus Vinicius (sim, só muda uma letra do nome daquele que estava comigo), que veio de Manaus (!), que dizia para encontrá-lo depois do show. Felizmente o consegui. 

Pouco antes do concerto começar, o Júnior Carelli, tecladista da banda brasileira Noturnall, subiu ao palco para avisar que o evento seria gravado, que éramos para jogar as bexigas na primeira e na última música. Em poucos minutos, a cortina caiu e começou a tocar a longa Halloween! Kiske e Deris dividiram os vocais, era um sonho que estava se tornando realidade! Todo mundo começou a pular e a cantar juntos!

Sem nem dar tempo para respirarmos, a banda já iniciou a clássica Dr Stein, também cantada pelos dois vocalistas. Após terminada, ambos conversaram com o público, Andi disse que já gravaram um DVD em São Paulo, mas o que acharíamos se gravassem outro? Como todo show da turnê, as músicas eram apresentadas por dois personagens, o Seth e o Doc, numa animação no telão, que, infelizmente, parou de pegar depois da quarta canção... Fez falta, pois os vídeos deixavam tudo mais animado e colorido...

A terceira música foi I’m alive, clássico da banda, interpretada somente pelo Michael Kiske, ótimo, como sempre. Depois foi a vez de Andi Deris cantar sozinho, uma música que, quando anunciada, me enganou, pois o vocalista disse que era uma canção do álbum The dark ride (o meu preferido), que começava com o teclado... Pensei, na hora, que seria Mr Torture, a minha favorita de toda a carreira deles... mas foi a balada If I could fly, que eu também adoro, mas não tanto quanto a Mr Torture.

Da balada à paulada, Deris anunciou Are You Metal?, uma das músicas mais pesadas do Helloween. É claro que São Paulo é Metal! Foi a única do álbum 7 Sinners a ser tocada. Em seguida, sai o Deris e entra o Kiske, para cantar Rise and fall, do clássico absoluto The keepers of the seven keys  - part II.

Nova troca, Deris volta ao palco para cantar a moderna Waiting for the thunder, do aclamado álbum Straight out of hell. Também me enganei, pois, novamente, o vocalista disse que tocariam mais uma que se inicia com teclado e eu queria tanto a Mr Torture... Interessante a mudança de tons que o Deris usa ao vivo, alternando os versos entre agudos e graves. Depois, a clássica Perfect Gentleman, que contou com uma rápida participação do Kiske no fim da música, ambos fazendo brincadeiras sobre quem seria o perfect gentleman (“I’am the perfect gentlemanHe’s the perfect gentlemanThey are perfectYou are perfect”), apontando para alguns integrantes da banda e para o público.

Após esta música, ambos os vocalistas saíram para o palco e deixaram-no para o mestre Kai Hansen, o guitarrista fundador e primeiro vocalista do Helloween tocar e cantar um meddley de quatro músicas, as pesadíssimas StarlightRide the SkyJudas e Heavy Metal (is the law). Nesta última, o baixista Markus Grosskopf tomou a frente do palco e teve destaque.

Um dos momentos mais emocionantes foi a volta de Deris e Kiske para cantarem Forever and one juntos, balada da fase Deris, sequenciada por A tale that wasn’t right, balada da fase Kiske. Lindo demais.

Para deixar de choro, Deris cantou sozinho a agitada I can, do álbum Better than raw. Após terminá-la, o baterista Dani Löble fez um solo que, sabemos, nos shows anteriores, era um “duelo” entre ele e o falecido baterista, uns dos fundadores do Helloween, Ingo Schwichtenberg, através do telão, que parou de pegar logo no começo do show.

Michael Kiske retorna ao palco, então, para cantar um meddley de Livin’ ain’t no crime e Little time. Não sei se alguém não percebeu, mas houve um momento em que o guitarrista Kai Hansen ficou balançando o cinto durante esta última, como se fosse um pêndulo de um relógio. Pena que o microfone teve um problema no começo da primeira canção, mas que rapidamente foi consertado.

Após terminadas, Andi Deris reaparece e, junto de Kiske, conversaram com o público. Um dos momentos mais engraçados e bonitos do show. Kiske disse que agora cantariam uma das músicas que ele mais gosta da fase Deris, mas que só a conheceu há pouco tempo, pois na época que saiu do Helloween não queria mais saber da banda. Neste momento, expressou a cara de nervoso, fazendo bico, de braços cruzados. Foi engraçado. A canção era a Why?, que ficou muito bonita na versão dos dois juntos.

Em seguida, apenas Deris permanece no palco e canta dois clássicos de sua fase: Sole Survivor e Power. Se essas duas já são agitadas, o que dizer da próxima, a pesadíssima How many tears, do primeiro álbum da banda? Cantada, desta vez, pelos três vocalistas, Kai, Kiske e Deris! Também foi um momento muito bonito, porque Deris revelou que foi a primeira música que ouviu do Helloween e que a adorou logo de cara.

Também achei bonito que nesta e em outras músicas, Kai, Weikath e Gerstner, os três guitarristas, tocaram um ao lado do outro. Lembrou-me o Iron Maiden, banda que também conta com três guitarristas (já há muito tempo, mais de década). Aliás, sempre pensei que o Helloween é o filho mais bonito do Iron Maiden.  

Tivemos um tempo de descanso, para o primeiro encore, iniciado já pelo clássico absoluto do Power Metal, a fantástica Eagle Fly Free, cantada somente pelo Kiske, seu vocalista original. Depois, a faixa-título, a grandiosa The keeper of the seven keys, com os vocais divididos entre Kiske e Deris. Foi bacana a participação do guitarrista Sascha Gerstner nesta, pois, sozinho, alongou a canção por minutos, puxando um coro da plateia, que cantava de forma uníssona, enquanto cada integrante saía do palco.

Por fim, as duas últimas, a primeira cantada apenas pelo Kiske, a segunda por ele e pelo Deris: Future World e I want out. Nesta, houve chuva de papéis picados e balões enormes foram espalhados, finalizando de forma muito bonita o show.

Em suma, foi mais do que um excelente show, foi um espetáculo. Poder ver gênios, que criaram um novo gênero musical, que mudaram o Heavy Metal, que estiveram separados por décadas, que fizeram músicas que nos tocam há tantos anos, juntos novamente, com amigos ao redor, todos gritando “Happy happy Helloween, Helloween, Helloween, Happy happy Helloween, ooooohhhh”, ou os nomes dos vocalistas (numa das vezes, Kiske se ajoelhou e fez reverência ao público), foi e será inesquecível.

O fim do concerto não significou o final de um sonho, mas a concretização deste, além de a construção de uma eterna memória. Agora, esperemos pelo DVD, que também terá gravações do segundo dia de show e que marcará como foi esta festa.
 //


Depois do evento, ainda me encontrei com o colega de Manaus, Marcus Vinicius, que também estava acompanhado, mas conversamos pouco, pois eu e meu amigo (Marcos Vinícios) ainda precisávamos pegar um metrô, um trem e um ônibus, que, infelizmente, o perdemos — o pior infortúnio do dia, que nos fez andar por descaminhos (de uns 8 kms) que só Hécate conhece, dignos de noites de Halloween, das 1h25 às 2h45, mas isso é assunto para outro post, porque este aqui já está enorme. Marcus, foi um prazer conversar contigo pessoalmente também.

Obrigado a todos que me ensinaram sobre a banda, desde 2009 até agora, e que ofereceram e oferecem as suas presenças até hoje, mesmo que na internet, sob acordos e discordâncias. Pessoas que me indicaram músicas e que hoje indicam os meus textos a outros amigos, obrigado e até outra hora!

Setlist do dia 28/10/2017

01. Halloween (Kiske e Deris)
02. Dr. Stein (Kiske e Deris)
03. I'm Alive (Kiske)
04. If I Could Fly (Deris)
05. Are You Metal? (Deris)
06. Rise And Fall (Kiske)
07. Waiting For The Thunder (Deris)
08. Perfect Gentleman (Kiske e Deris)
09. Medley: Starlight / Ride The Sky / Judas / Heavy Metal Is The Law (Hansen)
10. Forever And One (Kiske e Deris)
11. A Tale That Wasn't Right (Kiske e Deris)
12. I Can (Deris)
13. Solo de bateria - Dani Löble
14. Meddley: Livin' Ain't No Crime / A Little Time (Kiske)
15. Why? (Kiske e Deris)
16. Sole Survivor (Deris)
17. Power (Deris)
18. How Many Tears (Kiske/Deris/Hansen)
19. Eagle Fly Free (Kiske)
20. Keeper of the Seven Keys (Kiske e Deris)
21. Future World (Kiske)
22. I Want Out (Kiske e Deris)

P.S.: Os únicos problemas do show: falha no microfone do Kiske por um rápido instante (em Livin’ Ain’t no crime), ausência de Kids of the Century, que foi tocada em todos os shows anteriores da turnê, problemas no telão, e não terem executado a Pumpkins United, single que leva o nome da tour e que tem participação dos três vocalistas. 


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Coisas de criança

Nunca me considerei adulto. Até possuo o corpo de um, mas a mente sempre foi de criança. Por isso, sinto-me feliz e triste; feliz, porque tenho acesso a locais e a prazeres que só um adulto pode ter, além de ser elogiado por alguns olhares sobre determinadas situações e por ter algumas qualidades que poucos adultos possuem; triste, porque, às vezes, me cobram atitudes ou ações que nunca tomei e que devo tomar, mas eu tenho muitos medos e incertezas, o que é motivo de crítica por quem também me elogia.
Acredito que nascemos vazios e enchemos a vida com experiências, sentimentos e coisas, porém, conforme crescemos, perdemos ou descartamos parte dos dois primeiros, ficamos apenas com os terceiros. Uma pena. Prefiro ser criança, pois assim continuo a ganhar vida e acrescentá-la à Vida.  

Psicologia animal

Os moralistas assemelham-se muito aos cães presos, dentro das casas de seus donos, nos corredores. Todos os dias, caminho pelas ruas do bairro com o “meu” cachorro e, infelizmente, tenho de ouvir os latidos dos cães vizinhos, mas somente daqueles que estão atrás de um portão, pois os que estão soltos continuam quietos, na deles. É engraçado, porque, às vezes, quando estão livres, nas calçadas ou nas ruas, não latem e não avançam para cima do “meu” cachorro.
Os moralistas são assim também: presos a algum local ou a alguma coisa, gritam e ofendem quem está livre, mas na verdade o que possuem é a vontade de estarem libertos, ou de que todos estejam presos como eles. Quando soltos, lá fora, ou quando fazem o que querem (às escondidas), vivem suas vidas quietamente. 

domingo, 10 de setembro de 2017

Des-esperar

O menino guardou por muito tempo um texto para ler à sua amada, que disse que precisavam conversar, mas que foi embora sem explicações e até hoje não voltou. Ele a perdeu.
Depois de muito tempo e de novas decepções, ela retornou à cidade e, sem querer, encontrou o menino, que hoje é um rapaz. Quis conversar e cobrou o texto que ele havia dito que leria, mas, para a sua surpresa, o jovem não se lembrava nem do texto e nem dela. Ele o havia perdido e havia se perdido.
E ela o perdeu. 

sábado, 26 de agosto de 2017

Figuras de linguagem

Num cômodo fechado, metido a estudante, conversava um chato casal de namorados ou de amigos:
— Nossa, como você está maravilhosa!
— Ah, pare! Eu não gosto de hipérboles...
— Mas não é hipérbole, na verdade, estou em dúvida se é um tipo de eufemismo, porque “maravilhosa” é pouco, ou se é uma espécie de catacrese, por não haver palavras para te descrever!
— Bobo, crie uma palavra, então... Um neologismo...
E assim prosseguiram, num jogo de luzes e sombras, trocando e tocando em assuntos que deveriam ficar fora do cômodo.
Todos somos figuras de linguagem, mas aqueles dois são da mais chata possível. 

Mímesis

Fiz uma piada e todos riram. Fiquei feliz ao vê-los felizes, sorri também e falei:
— Acho muito bonito quando vocês se divertem com as minhas graças.
Na mesma hora, todos mudaram, ficaram sérios, desconcertados, e eu virei reflexo. 

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Relações e interpretações

A promessa de um fiel pode até parecer bem intencionada, porém, no fundo, é uma espécie de chantagem: se me deres A, dar-te-ei B, mas Tu deverás ser o primeiro a cumprir o trato.
Na verdade, isso revela uma má leitura dos textos sagrados e do mundo, porque o bom leitor e verdadeiro fiel sabe que Deus não precisa disso. Tanto é assim, que Ele nem responde.
Além da distância entre os dois (daí a dificuldade de um ouvir o outro), ambos falam línguas diferentes. Um fala e vive na imaterialidade, nos sentimentos, na subjetividade; já o pedinte, no materialismo, na objetividade.
Os tempos são outros, então, não espere uma troca: ou dê, ou peça. Outro conselho: conte a e conte com quem está próximo. É mais fácil. Faça-se próximo também. E não use o pronome Tu ou a mesóclise, por favor, porque isso é uma coisa mais antiga do que Deus. Nem Ele entende. 

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Uma questão de alteridade

Imagine uma sociedade onde todos os humanos, homens e mulheres, fazem as suas necessidades na rua, nos postes ou nas rodas dos carros. Consegue?
Pois, então, saiba que todos estão nus e que quase não tomam banho, mas nem por isso cheiram tão mal (exceto quando brincam de se deitar sobre algum corpo morto); que as mulheres, quando querem reproduzir ou sentem necessidade de copular, saem (nuas) às ruas e são abusadas por qualquer homem (isso não é muito difícil de imaginar, já que, em nosso mundo, os homens assediam frequentemente as mulheres contra a vontade delas). Aliás, os machos não diferenciam as suas mães de outras fêmeas. E fazem tudo ali, na rua, na frente dos invejosos.
Pense na cena: os carros e as motos passam pelos cidadãos e estes correm atrás dos veículos, gritando e xingando, mesmo que não possam fazer nada contra as máquinas.
Agora, o mais engraçado e espantoso: imagine que você está passeando por um lugar qualquer e, de repente, vários homens e mulheres saem das suas casas e vão até os portões, simplesmente para lançarem ofensas e ameaças contra a sua pessoa. Ou, então, pior ainda: você está andando e repentinamente sente uma presença nas suas costas... É outro humano cheirando os seus órgãos genitais (por trás)... Ou você sente vontade de fazer isso nos outros...
Pois é... É nisto o que eu penso, às vezes, quando caminho com o Rambinho, Diógenes. 


(Rambinho)

Dia dos pais

Sou neto, filho e bisneto, mas mesmo sem ter tido nenhuma namorada ainda, também sou pai. Como? É que sou pai de mim mesmo: eu crio-me. Todos os dias, alimento e brinco com a minha criança interna (e eterna, pois ela não cresce nunca). Às vezes, faz cara feia; às vezes, sorri; às vezes, sou eu quem fico triste e é ela quem me anima, lembrando-me das experiências boas que vivenciamos juntos.  Ah, este menino...
Hoje, ele (que se chama Carlinhos) me disse para ter esperança (dos dois tipos), que logo eu acharei uma mamãe para ele e, quem sabe, um dia, possamos lhe dar um irmãozinho...
Coloquei-o para dormir, porque este sonho é muito bom e bonito e vale a pena ser sonhado por nós dois. Às vezes, esse menino é como um pai para mim...


13/08/2017

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Comentando sobre o animê Boku Dake ga Inai Machi (Erased)



Introdução

Boku Dake ga Inai Machi (“A cidade onde só eu não existo”) é um mangá de Kei Sanbe, publicado de 2012 a 2016. Em 2016, a obra teve uma adaptação para animê, de apenas 12 episódios, que também é conhecida como Erased. O estúdio responsável pela série foi o A-1 Pictures, que já produziu animações famosas como Fairy Tail (2009) e Sword Art Online (2012). A abertura ficou por conta da excelente banda Asian Kung-Fu Generation, conhecida por ter suas músicas exibidas em Full Metal Alchemist (2003), Naruto (2002) e Bleach (2004).

Erased traz a história de Satoru Fujinuma, um rapaz de 29 anos, que sonha em ser mangaká, porém, sempre tem os seus trabalhos recusados, por conta de ele não conseguir se aprofundar na vida de seus personagens. Na verdade, isto é reflexo da sua própria personalidade: afastado, sem amigos. São as primeiras palavras de Satoru: “Estou com medo. Eu tenho medo de entrar no meu próprio coração”. Assim, enquanto tenta se tornar mangaká, trabalha como entregador de pizza.

É interessante esta antítese, porque embora as palavras do protagonista sejam profundas, os contratantes de novos desenhistas o tratam como superficial. Duas possibilidades: ou ele é um personagem complexo e contraditório, ou ele é falso. Depois, no decorrer da série, vemo-lo ser tratado como a segunda hipótese.

Satoru Fujinuma possui um poder que ele chama de “Revival” (renovação, renascimento, restauração, em português), que é o de, repentinamente, voltar ao passado, cerca de 5 minutos, sempre que alguma tragédia acontece. Enquanto ele não a evitar, a situação se repetirá. Isso o transforma num herói anônimo.

É exatamente por este motivo que o personagem se culpa pelas ações que ele não fez quando teve a chance, pois quando era criança (antes de ter esse poder — que ele não controla), três de suas amigas foram sequestradas, não se sabe exatamente por quem, embora tenham achado um “culpado” pelos casos.

Um dia, de repente, quando Satoru está com a sua mãe, ele tem um revival, mas quem evita a tragédia é ela, a mãe. Seria um sequestro de uma menina. Porém, o sequestrador percebe quem o avistou, segue-a e mata-a com facadas, pois ela sabia demais. Satoru chega em casa e vê a mãe morta, no entanto, a polícia o acusa do feito, o que o faz fugir do local e ter outro revival, entretanto, agora ele volta 18 anos atrás, quando era criança, bem na época onde suas três amigas sumiriam, em 1988. Assim, como um herói, Satoru tentará evitar os sequestros, fazer amigos e mudar o seu futuro, para evitar todas essas mortes.

(Se você só quer saber a sinopse, pare de ler aqui, pois, a partir de agora, alguns momentos do animê serão citados e algumas comparações serão feitas.)



Comentários

Neste passado, temos a personagem Kayo Hinazuki, uma menina triste e solitária. Ela seria a primeira sequestrada. Seu afastamento e personalidade são justificados pelas agressões físicas de sua mãe, que, por sua vez, é agredida pelo namorado. É interessante como é formada essa cadeia de violência, de como um pouco de atenção e carinho dados às pessoas podem mudá-las. Satoru, no passado, não era tão próximo à Kayo, mas agora ele fez diferente, mudando a forma de ela ser também.

Sobre este assunto, é lindo quando o protagonista dá a mão para a sua amiga, por estarem ambos sem luvas, no frio, na neve. E, depois, quando um presenteia o outro com luvas, isto é, quando um proporciona acolhimento, conforto e calor ao outro. Bonita metáfora (que será repetida).

Outra metáfora que aparece no mesmo episódio é a aparição de uma borboleta. Ela surge em alguns episódios, tanto no passado quanto no futuro, e pode indicar três situações: um ciclo (a borboleta passa por várias transformações até chegar à sua forma final), assim como algumas frases da Kayo que se repetem no futuro, mas ditas pela personagem Airi Katagiri; a liberdade (por conta das asas), como os sentimentos de Satoru sendo expressos, diferente de seu eu do futuro, que não conseguia expor o que queria; e, por fim, o “efeito borboleta”, relacionado às pequenas mudanças que o protagonista está causando no passado, mas que mudarão todo o futuro.

(Uma das vezes em que a borboleta aparece)

É importante ressaltar que o título (traduzido), “A cidade onde só eu não existo”, é inicialmente feito por Kayo, num texto. A criança isolada quer se isolar mais ainda, sua utopia é um local onde só ela exista, para fazer o que quiser, para ser, enfim, livre; ao mesmo tempo, o local de onde ela veio não a possuiria, obviamente. E, novamente: a obra é um reflexo do seu autor (tal como o mangá superficial de Satoru), no caso de Kayo, um pedido de socorro. O título, depois, se liga a outras ocasiões...

Um fato bem trabalhado e curioso é a mudança de cenário entre o passado e o futuro. Enquanto no último há celulares, muitas pessoas na rua e no metrô, em 1988, as conversas das crianças são sobre os clássicos jogos de videogame Final Fantasy e Dragon Quest.

Outras referências que ocorrem ao longo do animê são as citações de livros. Kenya Kobayashi é um dos melhores amigos de Satoru, é o inteligente da turma, que está sempre lendo algo. Ele chega a citar “O homem trocado”, de Edgar Allan Poe, mas depois confessa que o livro não existe (já o autor, todos sabem, é um clássico da Literatura mundial). Porém, este título faz alusão ao próprio Satoru, que, segundo Kenya, parecia ser outra pessoa, um homem trocado. Claro, a mente do Satoru de 29 anos está agora na criança de 11. Durante a série, Kobayashi ainda menciona Romeu e Julieta, enquanto Aya Nakanishi, que seria uma das vítimas do serial-killer, aparece lendo Rei Lear, duas obras de Shakespeare.

(É interessante pensar que no Rei Lear, o rei fica louco, assim como o sequestrador e assassino de Erased. Outra ligação é o fato de o rei ter três filhas, enquanto o sequestrador inicia seus atos com três vítimas, além de ele ser considerado, pela profissão, um segundo pai para as crianças...)

E a história caminha com Satoru e os amigos tentando evitar os desaparecimentos das amigas, embora só o protagonista saiba do que acontecerá. Ao mesmo tempo, o Satoru do futuro tenta evitar ser preso. Nessas idas e vindas de consciência, causadas pelo revival, ele descobre que quem matou a sua mãe é o responsável pelos crimes ocorridos no passado. É nisto que entra um problema do animê.

É que até o episódio 7, Satoru não controlava o seu poder. O revival acontecia de repente. Porém, quando ele descobriu, no futuro, quem matou a sua mãe, lembrou-se de sua infância, aí soube o que precisaria fazer para evitar a morte de sua amiga Kayo. Nisto, por desejar voltar ao passado, voltou. Simplesmente assim.

Outro problema do animê é que esse poder não é explicado, não se sabe como ele o ganhou, nem o porquê de só ele o ter. No final, é dito que nunca mais o revival aconteceu. É um aparecimento e desaparecimento repentino, diferente do que acontece no animê Steins; Gate (2010), onde causas e consequências são explicadas.

Pode-se citar o Steins; Gate por quatro motivos: em primeiro lugar, porque também é um animê de viagem no tempo. Em segundo lugar, porque tanto nele quanto em Boku Dake ga Inai Machi há uma personagem de aparência feminina, mas que, na verdade, é um homem. No caso do Steins; Gate, é o caso de Ruka Urushibara; no de Erased, é o de Hiromi Sugita. E em terceiro lugar, ambas as obras possuem personagens que dizem que por o futuro ser desconhecido, todos somos potências, que nada é impossível. Aliás, a frase “Impossible is nothing” está escrita num dos cenários de Boku Dake ga Inai Machi. Em quarto lugar, a borboleta, já mencionada em Erased também aparece em Steins; Gate (somente na abertura), por conta do efeito borboleta. As duas são azuis.

(Borboleta que aparece na abertura de Steins; Gate)

(Hiromi Sugita, de Erased)

(Ruka Urushibara, de Steins; Gate)

Outra semelhança possível (de longe, vagamente) é a de Erased com Detective Conan (1996), pois, neste último, também há um homem adulto que volta à sua forma criança, mas não por causa de um conflito no tempo ou por algum poder, mas “graças” a uma droga que o fizeram tomar, com o intuito de matá-lo, o que não acontece. Assim, Shinichi Kudo (o personagem principal) segue a história tentando descobrir quem tentou matá-lo. Em Erased também há esse clima de investigação de crianças.

(Satoru, de Erased)

(Shinichi Kudo, de Detective Conan)

Um fato curioso da obra é a metalinguagem, que ocorre por ter um personagem de animê envolvido na criação de um animê/mangá, além de em uma das cenas haver um muro escrito “Re: Re”, que é o título da música de abertura da animação.

("Impossible is nothing", ou "Nada é impossível", em tradução livre, frase escrita num muro de Erased)

("Re: Re", título da música de abertura do animê, criada pela banda Asian Kung-Fu Generation, escrito no mesmo muro de Erased)

Em suma, Boku dake ga Inai Machi é um animê comum, com uma produção muito bem feita, uma trama interessante (mas com alguns problemas e obviedades), uma excelente e cativante soundtrack, temas que induzem à reflexão, como o abuso físico e mental de crianças, a necessidade de dar atenção às pessoas ao nosso redor, a ligação entre o nosso passado, presente e futuro, a dualidade (e perigos) de personalidades de algumas pessoas próximas, além de o animê mostrar a vagarosidade de algumas instituições — como o conselho tutelar — em tomarem uma ação quanto aos possíveis problemas dos alunos, ou a falibilidade de outras corporações, como a polícia, por exemplo. 

A obra possui os seus deslizes, como os que já foram mencionados antes (outro deles é a forma da câmera mostrar o personagem que viria a ser o vilão, tornando-o óbvio; mais um deles é o grau dos diálogos, muito profundo e existencialista para crianças de 11 anos, o que os tornam inverossímeis), que diminuem o valor da animação; o final também não é dos melhores, mas vale a pena assistir ao animê como entretenimento. 



























Relato pessoal

Num dos episódios, o falso roubo, tramado pela aluna rica da sala, para culpar a pessoa mais pobre, a Kayo, me lembrou uma vivência que tive.

Quando estava no primeiro ano do ensino médio, em 2009, uma vez, um colega pediu emprestado o celular de um amigo, que o emprestou. Porém, sem cuidado, depois de um tempo, o colega o largou de canto, em cima de uma mesa. Eu, ao ver o celular, devolvi ao dono.

Momentos depois, quando o colega percebeu que não sabia mais onde estava o aparelho, foi perguntar ao dono se ele sabia onde estava. Meu amigo negou, para fazer um medo e ver se o colega teria mais responsabilidade numa próxima vez. No entanto, ao se desesperar, pensando que havia perdido o celular, esse colega imaginou que alguém poderia ter roubado o aparelho. Assim, sem nem perguntar se alguém havia visto o objeto, ele foi diretamente à bolsa de um dos meninos mais pobres da sala, negro, acusando-o de ter roubado o celular...

Há vários outros momentos que poderiam ser comentados, principalmente sobre o final, mas seriam spoilers. Novamente, como na análise do Kino no Tabi, sinto-me como se não houvesse dito nada...

OBS.: Os anos que marquei são dos animes, não dos mangás.