domingo, 8 de novembro de 2015

Recordações

A cada concerto que vou, tiro menos fotos do show em si, mas uma ou outra com os parceiros que vou ou que conheço lá. Achava que seria bom para relembrar, para guardar e imortalizar o momento, mas o momento que é e foi memorável não precisa de fotos, pois imortaliza-se na mente, ele é a própria imagem; e, às vezes, não somos nós que lembramos dela, mas ela que nos lembra sem pedirmos. Um dia, quem sabe, eu deixe de falar sobre o dia de ontem em textos também; quando superar essa dialética, estarei vivendo as memórias do amanhã.

domingo, 1 de novembro de 2015

Um caso de linguagem e alteridade


Um dos componentes da casa é o Rambinho, um cachorro. Todos os dias ele chama a nossa atenção para caminhar: vai até onde estamos, toca-nos com a pata, em seguida, corre para onde está a sua coleirinha e aponta para lá (com a mesma pata). Só falta falar em nossa linguagem, mas com o que consegue fazer da sua, na maioria das vezes, entendemo-lo.

Recentemente eu fui o seu acompanhante; aconteceu o mesmo ritual que descrevi acima, e, então, fomos. Passando por uma das ruas, parei para esperá-lo fazer suas necessidades. Enquanto isso, olhei para os lados; havia um terreno em diagonal, várias árvores (pequenas, de troncos finos, um pouco secas) e uma mulher que aparentava ter uns 60 anos, capinando.

Ao perceber que eu e meu cachorro estávamos próximos, parou sua atividade e começou a falar comigo. Contava sobre os seus animais de estimação. Sabemos que uma imagem puxa outras: viu meu cachorro e lembrou-se dos seus. Eu conhecia essa mulher apenas de vista, mas nunca havia conversado com ela. Pois bem, tornei-me seu ouvinte.

Ouvi uma história muito triste, disse-me que alguns de seus animais sumiram, ou que às vezes demoravam para aparecer e, quando apareciam, estavam todos machucados. Tristes histórias e eu, ali, ouvindo uma pessoa que nunca tinha conversado comigo; uma pessoa que nem perguntou meu nome, onde morava, idade, se tinha que ir embora, nada. Na verdade, não sei se posso chamar de diálogo, eu apenas afirmava suas colocações ou respondia com poucas palavras.

Por fim, o Rambinho começou a latir, não queria mais ficar parado, já tinha feito o que tinha que fazer, mas eu esperava a mulher terminar alguma frase em que desse a possibilidade de eu ir embora sem que ela, talvez, achasse ruim. E esse momento veio! Foi quando mudou o assunto, de triste para alegre (ela até sorriu enquanto contava). Concordei, sorri também e disse que tinha que ir.

Não sei se os animais entendem a nossa linguagem, sua obediência provém, na maioria das vezes, do condicionamento, não propriamente por entender as palavras e concordar; mas sim, do medo, da repetição e dos estímulos-reações. Da mesma forma em que às vezes ele quer que o percebamos, quer que lhe demos ouvidos (e comida, água, passeio, carinho, etc.), a mulher queria que eu desse atenção às suas palavras. Não precisava concordar ou discordar, apenas ouvi-la. Às vezes queremos e precisamos disso. Este texto mesmo, por exemplo, é uma vontade e necessidade que tive de me expressar; você lê, entende, mas talvez não o responda/comente. O texto é a fala da mulher e você, leitor, sou eu.

Não podia ignorá-la, não podemos nem com os animais, quanto mais a alguém da mesma espécie, que usa a mesma linguagem. Foi através dela que escrevi estas palavras, que ela se expressou, que eu entendi e me despedi. E ainda bem que foi num momento de riso.