Análise da Conversação, de Marcuschi, é um livro técnico que, como diz o
próprio título, tenta compreender como se dá o processo da conversação. Por
muito tempo, acreditou-se que a escrita era a forma ordenada, coesa e coerente
da língua, enquanto a fala seria um sistema caótico e sem regras — o que não é
verdade. A conversação “(...) não é um fenômeno anárquico e aleatório, mas
altamente organizado e por isso mesmo passível de ser estudado (...)”
(p. 6).
Embora a conversação seja a
prática mais comum do ser humano, ela só começou a ser estudada e analisada nos
anos 60, “(...) sobretudo, com a descrição das estruturas da conversação e seus
mecanismos organizadores. (...)” (p. 6). Dentre as questões que a Análise da
Conversação propõe-se a resolver estão: “(...) como é que as pessoas se
entendem ao conversar? Como sabem que estão se entendendo? (...) Como usam seus
conhecimentos lingüísticos e outros para criar condições adequadas à
compreensão mútua? (...)” (p. 7), etc.
É por essa razão que o objeto de
estudo é a própria conversa viva em situações reais, e não textos ou
conversações retiradas de livros, artes ou outras áreas, pois por mais que
sejam parecidas ou inspiradas na realidade, foram planejadas antecipadamente.
O livro também aborda questões e
processos de transcrições. Marcuschi diz que ao transcrevermos conversações,
devemos nos atentar aos “(...) detalhes não apenas verbais, mas entonacionais,
paralingüísticos e outros, algumas informações adicionais, quando as houver,
devem aparecer na transcrição (...)” (p. 9) também. Embora deva-se usar, para
transcrever, o sistema ortográfico da língua-padrão, há alguns sinais próprios
para algumas situações, como falas simultâneas, sobreposição de vozes, pausas,
dúvidas, truncamentos bruscos na conversa, ênfase, comentários do analista e
outras situações.
É importante saber que nenhuma
conversação se dá com apenas uma pessoa, a isto chama-se “monólogo”. Para ser
considerada uma conversação, é necessário que haja pelo menos duas pessoas, um
tema central (mas que pode-se abrir para outros assuntos paralelos), ao “(...)
menos uma troca de falantes; (...) presença de uma seqüência de ações coordenadas(...)”
(p. 15), um mínimo de conhecimento em comum por parte dos participantes e uma
mesma situação/contexto.
Uma informação básica e essencial
sobre a conversação é que ela se dá por turnos. O turno é a produção de um
falante enquanto está na sua “vez”, e isso inclui, às vezes, também, o silêncio
— deve-se ficar claro que o turno não é apenas uma “fala”; muitas vezes o
emissor pode ter tido mais de uma fala em apenas um turno.
É analisado que em cada turno,
cada pessoa fala de uma vez; as ordens e duração dos turnos variam; em cada
conversação o número de participantes pode variar também; há falhas,
continuidades, descontinuidades, técnicas e estruturas inseridas em cada turno,
mas a regra básica é “(...) fala um de
cada vez (...)” (p. 19).
Segundo Marcuschi, “(...) Tudo
indica que a tomada de turno não se dá caoticamente, mas obedece a um
mecanismo, que se explicita em algumas técnicas e regras.” (p. 20). Embora possa
parecer uma tarefa simples e façamo-la todos os dias, mesmo sem perceber, a conversação
é um ato muito complexo; usamos mecanismos metalinguísticos e para-linguísticos
(olhar, gesticulação, riso, tom de voz etc.) que criam, corrigem e dão margem à
outras situações, situações estas que na escrita não aconteceriam.
Sabemos que as conversações
possuem uma organização e sequências, mas elas não se dão sozinhas, nós a
criamos (e até as esperamos). Por exemplo, ao fazer uma pergunta, esperamos uma
resposta; ao dar uma ordem, fazer um convite, cumprimentar, pedir, acusar etc., sempre causamos uma sequência, sempre passamos o turno para o outro, e
não precisa ser em uma situação face a face, mas, entre outras formas, a
conversação telefônica é um exemplo.
No capítulo “Organizadores
globais: o caso da conversação telefônica” lemos que “O mais normal numa
conversação é que ela tenha pelo menos três seções distintas estruturalmente,
ou seja, uma abertura, um desenvolvimento e um fechamento.” (p. 53), mas que “Um
dos problemas nos telefonemas é o do fechamento
da conversação. (...) são freqüentes seções longas de despedidas, com
várias reduplicações. (...)” (p. 59). Marcuschi ainda cita Schegloff e Sacks
para estender essa problemática às conversações face a face.
No sétimo capítulo são abordados
os marcadores conversacionais, sistemas verbais e não-verbais, sinais do
falante e do ouvinte, mostrando como uma conversação é muito mais que meras
palavras, mas uma relação e interação humana; como o falante percebe e induz a
reação do ouvinte, e este, ao ouvir, como reage ao concordar ou discordar com o
discurso proferido.
Ao falarmos em “organização” é
necessário falar em coerência e coesão, e “(...) sabemos que algumas coisas são
‘conversáveis’ e outras não. Entre as coisas conversáveis, algumas podem ser
ditas a qualquer um e outras a poucos, algumas devem ser ditas logo e outras
podem ser adiadas, e assim por diante.” (p. 77). A conversação fluente, coesa e
coerente é aquela que passa de um assunto (tópico) ao outro normalmente, mesmo
que haja uma mudança, ela deve ter algo relacionada ao tópico anterior, pois, se
não, ou será corrigida, ou questionada pelo motivo da “quebra”.
Conclusão
Este livro mostra que, embora as
conversações sejam complexas, elas não são caóticas; possuem suas regras e
seguem padrões (alguns universais), o que as tornam possíveis de se estudar,
observar, explicar e explicitar.
O livro, de linguagem técnica,
não se propõe a esgotar o assunto, muito pelo contrário, surge e apresenta-se
somente como introdução. Uma descrição e análise daquilo que fazemos (que
sempre fizemos e sempre faremos) naturalmente todos os dias: conversar. Como
esta ação é processada? Qual a importância de alguns fatores (verbais e não-verbais)? No que eles acarretam?
Em suma, um livro mais do que
linguístico, porque estudar a linguagem e a conversação é estudar parte das
relações humanas.