Eles
não usam black-tie é uma peça de teatro de Gianfrancesco
Guarnieri, escrita em 1955, que narra a história de uma família e de alguns amigos
(uma comunidade) de uma favela do Rio de Janeiro. A obra se concentra em dois
acontecimentos: o casamento de Tião com Maria e a greve dos metalúrgicos que,
dentre os líderes, está o pai de Tião, Otávio.
A obra inova e marca por vários motivos: diferente dos
padrões teatrais da época, os personagens não são ricos ou nobres, mas pessoas
pobres, negros, moradores do morro; não se trata de uma comédia (embora haja
momentos cômicos), como a maioria das peças de hoje em dia, mas de reflexões,
críticas sociais e políticas.
Dividida em três atos, Eles não usam Black-tie foca na
relação do pai Otávio e seu filho, Tião. Este foi criado na cidade por seus
padrinhos, mas depois de adulto voltou à favela e agora namora uma moça, Maria,
que está grávida, embora ninguém saiba. Otávio é um homem um tanto “romântico”:
idealista, sonhador, leitor de autores críticos, possui uma mente
revolucionária, acredita na bondade do ser humano, de seus conterrâneos, e que
para melhorar de vida, apenas lutando — uma visão totalmente contrária a de seu
filho, que será abordada mais à frente.
O autor distribui muito bem as personalidades de seus
personagens, além dos já descritos, há também Maria, namorada/noiva de Tião,
uma moça alegre e que possui um sentimento muito forte de união para com o seu
povo, sua comunidade, sua favela. Chiquinho é o irmão mais novo de Tião,
brincalhão, embora honesto, é medroso e, por isso, omisso; namora a Teresinha,
moça alegre, divertida e sonhadora.
Mãe dos irmãos e mulher de Otávio, Romana é uma mulher de personalidade forte e uma visão realista da vida, uma verdadeira mãe, preocupada com todos de sua família, cumpre seus afazeres, reclamando ou não; aceita a vida como ela é, mas, infelizmente, não a aproveita. Há também os amigos da família que, exceto João (irmão de Maria) e Bráulio, embora todos dialoguem e sejam verdadeiros amigos, não recebem tanta atenção na obra.
Mãe dos irmãos e mulher de Otávio, Romana é uma mulher de personalidade forte e uma visão realista da vida, uma verdadeira mãe, preocupada com todos de sua família, cumpre seus afazeres, reclamando ou não; aceita a vida como ela é, mas, infelizmente, não a aproveita. Há também os amigos da família que, exceto João (irmão de Maria) e Bráulio, embora todos dialoguem e sejam verdadeiros amigos, não recebem tanta atenção na obra.
É interessante notar a forma como Guarniere parte de uma visão
romântica, com todos os personagens da favela sendo bons, honestos,
trabalhadores, amigáveis, patriotas e solidários (características do
Romantismo) e insere o determinismo (característica do Realismo e Naturalismo) — de forma
romântica — na peça e cria, então, a crítica à sociedade e ao capitalismo.
De todos os personagens, o único diferente, que pensa
mais em si, que teme a vida, que teme o patrão, que teme perder o emprego, que
teme a pobreza, é Tião: o único criado fora da favela, criado na cidade e, por
isso mesmo, não gosta do morro, só está lá pela noiva, Maria. Enquanto isso, o
pai, leitor, é um grande líder dos metalúrgicos, um dos “cabeças” da greve —
greve esta que Tião é contra, pois, para ele, lutar não adianta nada, aumenta-se
o salário (e pouco), mas em seguida aumenta-se o preço dos produtos, fazendo
tudo continuar na mesma situação; sem contar que muitos recebem mais por fazer menos.
Neste ponto mostra-se muitas críticas e reflexões. Além
do conflito pai-filho, temos também a divergência de opiniões: individualismo
(Tião) x coletivo (Otávio). Da mesma forma, aponta-se o quanto a leitura move o
ser. Na figura do pai leitor surge o líder revolucionário, que acaba
influenciando seu outro filho, Chiquinho, que sempre viveu entre eles
(novamente percebe-se o determinismo).
Neste momento é possível perceber a voz do autor em Tião, desmistificando a ideia do aumento salarial, já que logo em seguida os preços sempre sobem, fazendo com que todo ano aconteçam mais greves e os trabalhadores nunca fiquem, de fato, beneficiados. Dá-se fim, também, à ideia de meritocracia, pois na maioria das vezes, quem luta mais é menos recompensado, e quem menos luta (e rouba os honestos) "sobe" na vida — injustamente, mas sobe.
Neste momento é possível perceber a voz do autor em Tião, desmistificando a ideia do aumento salarial, já que logo em seguida os preços sempre sobem, fazendo com que todo ano aconteçam mais greves e os trabalhadores nunca fiquem, de fato, beneficiados. Dá-se fim, também, à ideia de meritocracia, pois na maioria das vezes, quem luta mais é menos recompensado, e quem menos luta (e rouba os honestos) "sobe" na vida — injustamente, mas sobe.
Não que seja propriamente um “defeito” da obra, mas se deve perceber a intenção do autor em colocar os moradores da cidade como falsos (os
tios de Tião criaram-no apenas para se aproveitarem dele, fazendo-o cuidar da
casa sem dar-lhe estudos) e Tião, por ter sido criado lá, torna-se falso
também, preferindo agir pensando em si próprio, não acreditando nos amigos, não
se percebendo como parte da favela, não acatando a greve que, se aceita, melhorará
a vida de todos. A comunidade, logo após descobrir a traição de Tião, exclui-no e também deixa de o considerar como um deles.
As mulheres são todas colocadas como pessoas boas e
sinceras. Em um primeiro momento, são vistas como submissas (principalmente Teresinha), mas que aos poucos se mostram como personagens
fortes e autônomas. Romana, além de cuidar da casa e dos membros da família, age
além de seu círculo, ajudando as vizinhas ou o Otávio com suas
confusões.
É importante ressaltar a forma como as culturas são, ao
longo do tempo, “invertidas”. Por exemplo, em certo momento da obra, Chiquinho
conversa com Teresinha sobre religião; os dois foram criados na favela, mas Teresinha
segue/acredita/gosta da igreja católica, por causa dos panos brancos, dos
adornos dourados e das estátuas de Jesus; enquanto Chiquinho prefere o terreiro,
por ter dança, fantasia, alegria e muitos santos. Percebe-se aqui a falta de
religiosidade de Teresinha, que se interessa por questões materiais e estéticas, diferente
de seu namorado, Chiquinho. Percebe-se, também, a visão de Gianfrancesco em considerar
ambas as religiões como válidas desde que haja respeito e seus praticantes
sintam-se bem.
Continuando no âmbito da cultura “invertida”, é triste
a cena em que a música de um dos moradores da favela, Juvêncio, toca na rádio,
mas com outra pessoa como autor. Juntando isso à discussão da religião, pontua-se
como a cultura do pobre, do negro, é roubada ou marginalizada pela cidade e,
então, inverte-se a cultura (como Paulo Freire alertou): o oprimido quer seguir
a linha do opressor; ou ainda, o oprimido crê que as coisas não mudam, não adianta lutar, pois, ao final, "tudo sempre foi e será assim".
Em suma, Eles não
usam black-tie é uma ótima peça, que aborda questões políticas, sociais e
culturais. Com uma linguagem muito simples, escrita de uma maneira corrida,
coloquial, cativa o leitor enquanto o faz refletir sobre a amizade, confiança,
família e amor — além dos temas já citados. É recomendado para todos amantes da
literatura, do teatro e para aqueles que se propõem a investigar a sociedade além
das esferas já conhecidas, mas a área dos pobres, dos proletariados, dos que
não usam ternos e gravatas: dos que não usam black-tie.
Gianfrancesco Guarnieri foi um importante dramaturgo, ator e diretor italiano, naturalizado brasileiro. Embora tenha escrito muitas peças, a que recebeu maior destaque (até por ter sido sua estreia) foi Eles não usam black-tie.
Antônio Carlos da Silva Siqueira Júnior, graduado em Letras, na Faculdade de Santo André, Santo André – SP.
Amei essa análise, muito bem composta e específica... Simplesmente ótima.
ResponderExcluirQue bom que gostou. Obrigado!
ExcluirMenino poeta,eu orgulho.
ResponderExcluirAmei, ajudou bastante! Obrigada
ResponderExcluirQue bom que gostou e que meu texto te ajudou! Eu quem agradeço!
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