Todo artista está além da maioria de sua época, sempre
percebendo características, normalidades, anormalidades e problemas de sua
sociedade. Embora não se possa dizer que eles sempre nos trazem soluções, pode-se
dizer que eles são como antenas de um
povo, apontando sempre para as consequências e futuras necessidades, sejam
locais ou universais; sejam conscientes ou não.
Se fôssemos filosofar (embasadamente em Schopenhauer),
diríamos que é porque o artista se torna uno ao mundo, ele representa as coisas
como elas são, como uma vontade de
representação, mas não discutiremos o tema. Sabemos que isso ocorre
independentemente do tipo de artista, mas aqui trataremos somente do músico,
mais precisamente, do Heavy/Rock. Não
será um texto longo, somente serão apontadas algumas pequenas e poucas coincidências.
Assim como é interessante o fato de pessoas, de diferentes
lugares e épocas, terem feito músicas semelhantes, ou na letra ou no ritmo e
melodia, sem que tenham se conhecido e ouvido umas às outras, também é curioso
que indivíduos de uma mesma época, mas de lugares diferentes, tenham feito — na
verdade, criado — uma sonoridade nova e relativamente parecida. Seria, talvez,
uma intuição dos gênios?
Ao longo da história do Heavy/Rock vimos aparecer, em alguns períodos, vários tipos de
bandas e gêneros: Hard Rock, Progressive, Punk, Heavy Metal e seus
subgêneros etc. O que mais conheço, embora conheça pouco, é o Power Metal. É sobre ele que falarei.
Sabemos quais são as maiores características do Power: vocais limpos, agudos e em notas
longas, guitarras rápidas, baixo rápido, bateria em bumbo duplo, solos em
guitarras duplas, teclados, violinos, corais de vozes, letras positivas e
fantasiosas, geralmente sobre lendas ou ficções medievais (até mesmo
aristocráticas). Enfim, quase uma volta ao passado (por acaso o presente não possuía
mais tal magia e encantamento? Um descontentamento com o real e presente?), uma
utopia.
A questão do instrumental vem da vontade de pegar o que
já estava sendo feito há um bom tempo por bandas como Deep Purple (por causa do guitarrista Ritchie Blackmore e do
tecladista Jon Lorde), Rainbow (além
do Blackmore, por causa do Dio e suas letras), Judas Priest (por conta do vocalista Rob Halford), Iron Maiden (não tanto pela técnica, mas
velocidade do Steve Harris; e, também, pela potência vocal do Bruce Dickinson)
e outras antes de 85, e levar além. Mas e a temática?
Dizemos que, no rock,
o primeiro a iniciar esse tema foi o grande Ronnie James Dio, ainda no Rainbow; depois, no Black Sabbath e, por fim, em sua carreira solo. OK, Dio foi o
primeiro num tempo em que ninguém fazia isso, mas, depois, no final dos anos 80
até a metade dos anos 2000, surgiram inúmeras bandas de Power Metal que, incansavelmente, trabalharam este tema. Não é uma
mera questão de cópia e reprodução, mas sim, de identificação.
Dentre as primeiras bandas que iniciaram o que chamaríamos/chamamos
de Power Metal estão o Helloween, da Alemanha; o Stratovarius, da Finlândia; e o Viper, do Brasil (há outras e de outros
países, mas o texto será curto). Três bandas de e em locais diferentes que
tiveram ideias parecidas quase ao mesmo tempo: metade dos anos 80, ainda período
de guerra fria. Isto é, num momento de tensão, algumas bandas começaram a
apontar não para a realidade, mas para a fantasia.
Na Literatura, principalmente no período do Romantismo e do
Simbolismo, momentos de descrença, os poetas e escritores começaram a escrever
sobre ideais, lugares exóticos, heróis (precisamente no Romantismo), liberdade,
enfim, sobre fugas do real. O mesmo aconteceu neste período do Heavy/Rock, no Power Metal, mas enquanto aqueles, nos
respectivos períodos, foram para o lado “negativo”, estes foram para o lado “positivo”.
Enquanto este gênero buscava fugir dessa atmosfera
pesada, através de letras positivas e irreais,
ao mesmo tempo, um outro movimento trazia à tona a realidade e o pessimismo — e
até niilismo — do ser humano,
vestindo uma roupagem do Hard Rock
dos anos 70, mas mais “sujo” e carregado: o grunge.
No entanto, parece que o que mais prosperou foi o Power, não só na duração, que foi forte
até a metade dos anos 2000, como também sobre o que ele buscava: a fantasia.
Aquilo que o Power pregava veio de uma forma diferente e atingiu a quase todos a
partir dos anos 90, e continua atingindo cada vez mais. A fantasia e a fuga do
real vieram em forma de Internet. Não
é real nem irreal, mas os dois de forma virtual
e digital.
Pois bem, para onde as antenas dos artistas do Heavy Metal Melódico (para usar um
“sinônimo”) apontaram, de certa forma, chegamos. Conforme a internet ficava
mais popular, mais bandas desse gênero apareceram e se consolidaram. Como havia
dito, não é somente moda e reprodução, é identificação. O artista observa,
pressente e faz; o público se identifica, porque é realmente o que eles
precisavam — ao menos naquele momento.
Quando a vontade não é mais aquela, quando o novo já é
comum, perde a graça e some. Por isso, as bandas que vão na moda não duram:
saturam. Hoje, quase todos possuem acesso à internet, ao mundo virtual, que é a
fuga do real; hoje, quase ninguém mais monta uma banda de Power Metal que cante sobre fantasia e tudo o que virou clichê. Ainda
há as bandas de Folk e outros gêneros,
mas são outros conceitos e outros porquês. As próprias bandas clássicas e
essenciais mudaram sua forma de tocar e compor, porque o mundo também mudou.
Fico pensando, agora, quais são e serão as bandas e
artistas que estão, com suas antenas,
apontando para o futuro? Serão mais necessidades ou consequências? Fico com receio
se, a partir de agora, mais bandas vierem com a mesma ideia dos últimos álbuns
do Megadeth e Dream Theater: a distopia. Coincidência, pois é o oposto da utopia
(que em algum momento foi criada).
Excelente texto, infelizmente ao que parece o Power Metal está tendo a difícil missão de na arte/música narrar a distopia social.
ResponderExcluirAgradeço pelo compartilhamento destas ideias.
Excelente texto, infelizmente ao que parece o Power Metal está tendo a difícil missão de na arte/música narrar a distopia social.
ResponderExcluirAgradeço pelo compartilhamento destas ideias.
Obrigado, Douglas. Não sei se o Power Metal carrega essa missão. Mesmo que esteja, então vejo-o perdendo cada vez mais espaço. Alguns autores dizem que a arte não deve ter e nem tem missão nenhuma... senão não é arte, é panfleto. Eu prefiro aquela que possui uma mensagem, mas que tenha uma forma diferenciada também, para não ficar só conteúdo.
ExcluirEu que agradeço.
Parabens pelo texto... acredito que a fantasia de mitos e herois que em algum momento irão representar de verdade os ideias sociais, seja inconcientemente o sonho de todos os mortais, por meio da religião, da musica e etc... A busca pelo passado representa que hoje a sociedade em geral esta mal representada... os herois não são mais descobertos naturalmente, eles se retraem frente a mare social que se apresenta... e a internet é uma das grandes culpadas... desinformaço imediata...
ResponderExcluirMuito obrigado, Tchok@. Os mitos e heróis representam as vontades das pessoas (para alguns, necessidades). Com certeza, a busca pelo passado é uma negação do presente. Acredito que o herói nunca existiu, posto que ele é perfeito; porém, quando alguém busca e vê uma pessoa como herói, significa que ela não está bem (vejamos os românticos, por exemplo, que eram idealistas frente à realidade indesejada). A internet, assim como pode mostrar algo, também pode esconder.
ExcluirConcordo em parte... pois o heroi pode ser alguem do nosso convivio que conseguiu sobrepor obstaculos que o idealizador não conseguiu... é a visão externa da figura... diferentemente nos observamos em varios classicos do power metal a figura do heroi em dois momentos:a epopeia da conquista, porem apos a perda ou a derrota... claro isso na minha visão...
Excluirbacana encontrar um espaço para discutir literatura, musica e etc com pessoas que aceitam a opinião adversa... bacana mesmo...
Sim, o herói, sempre que aparece, mesmo que morra, no momento da morte eleva seu ser, por isso continua no plano do ideal, não real.
ExcluirQue bom que gostou, Tchok@. Sempre que posso, respondo aos comentários.