terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sobre a transição e para a transcendência

Este texto, como qualquer outro texto, mensagem, fala, enunciação, etc., destina-se a alguém além de mim. Isso tem que ficar claro, pois é a ideia central do texto: o não-eu, o outro. Este texto não se propõe a contar uma história, mas fazer algumas reflexões acerca da morte e ao doar-se. Já deixo avisado que evocarei alguns nomes, não por pedantismo, mas porque em situações difíceis sempre recorremos a alguém (alguns, a seres divinos; eu, a pensamentos).

Digo isso porque o mundo contemporâneo é marcado pela individualidade e falta de companheirismo, de compromisso, de alteridade (Sartre até diz que o inferno são os outros), nada vai além do eu; tudo vem a mim. Esse pensamento estende-se, passando para o campo das ações e detendo as futuras: “não basta ter, devo ater-me aos outros”.

É assim que o ser deixa de fazer tudo que possa vir a servir ao próximo. Pior do que ser pessimista e niilista passivo é ser egoísta. Ora, ao final, o que menos importa sou eu. No fim, quase tudo se vai, mas algo sempre fica — material ou abstrato, bom ou mau, útil ou inútil.

Todos nós temos perdas em nossas vidas e todos nós iremos nos perder dos outros (os outros irão nos perder), mas, querendo ou não, deixamos alguma coisa. Shakespeare, em uma de suas peças, nos diz que em nosso último ato na peça da vida... Não aparecemos. É a morte, mas ainda sim, faz parte do nosso papel, estamos atuando; ou seja, vivemos além da morte. Como?

Porque depois que a vida termina, acredito que não passamos a uma posterior, mas a outro lugar (nada de céu ou inferno): ao próximo. Passamos a morar nas pessoas. Não há sentido em viver para si, e sim, para além de mim.  

Pensando em possibilidades para seu epitáfio, Mario Quintana escreveu “Eu não estou aqui”, pois ele está (e sempre estará) presente em suas obras; e suas obras, presentes em todos aqueles que as leem e citam, como este texto.

Mas e quem não escreve, pinta, desenha ou faz algo físico, em matéria, o que deixa? Deixa lembranças, como disse no início, boas ou ruins (aqui não cabe o termo “lembranças úteis ou inúteis”, pois todas são úteis. Mesmo as que não gostamos de recordar, servem como exemplo para não seguirmos). É preferível que deixemos algo bom e útil para os outros, caso não, ficarão apenas lembranças de uma pessoa egoísta, que logo será esquecida.

Por isso, hoje, com a perda que tive, não vejo outro motivo para passar a vida que não seja compartilhando o que eu tenho de melhor: o conhecimento e a mim. Percebam que neste texto eu citei Mario Quintana, Shakespeare, Sartre e, implicitamente, Nietzsche e personalidades ruins da História: todos mortos, mas que encontram-se vivos por aí, nos estudos, nos escritos, nas memórias e nos livros.

Recentemente eu conversei com uma amiga e ela disse-me que não gosta muito da ideia de ver seus textos “por aí, na internet”, e ela até tem um pouco de razão; respeitemos a privacidade. Mas, diferente dela, penso: Para que guardar para si o que pode ser útil ao mundo (ou às poucas — ou muitas — pessoas que procuram algo interessante)?

Quem disse que “existir é apenas estar ali”, poderia encurtar a frase e deixá-la mais poética: existir é estar. Quanto a viver, é bom que façamos algo que transcenda nossa existência, para que não sejamos esquecidos, para que um dia mudemos de moradia . Percebamos que mais do que o "eu" e mais do que o "meu", é o "nós" e o "nosso". E é tão bom termos e servirmos companhia.

4 comentários:

  1. Gostaria aqui de manifestar minha opinião acerca do texto redigido, antes de opinar e argumentar gostaria de deixar minha afirmativa que gostei muito do texto, de fato uma ideia muito humanista está nele contida.

    Vou-me utilizar de argumentações e ponderações minhas para acrescentar ou apenas reforçar o que disse, no mesmo modelo, cada parágrafo a seguir respectivamente ao parágrafo escrito por você:

    De fato, quando expressamo-nos, escrevemos, afirmamos ou tentamos expressar nossos sentimentos, pensamentos e externar nosso "eu" estamos pensando em alguém, ou estamos fazendo isso para alguém numa situação natural de tentar socializar-se e se fazer existir e ser notado como ser existente, segundo os gregos antigos o conceito de eternidade era ficar marcado na história. E, as religiões com suas doutrinas são compreensíveis, são o último suspiro para muitos de manter-se na existência e imaginar que continuarão a socializar-se e fazer a diferença para muitos.

    O mundo contemporâneo sim é marcado e muito nitidamente pelo egoísmo reforçado por um sistema ideológico de cunho econômico e alienador segundo um tal de Karl Marx, que muitos ouvem falar dele como uma figura maligna mas nunca se quer leram ele, a ponto de saber que antes dele próprio morrer ele fez uma auto-crítica sobre sua obra. E ele era positivista quanto aos "outros", pois são os "outros" que formam a sociedade.

    Estamos sim de fato envoltos nesta dualidade do "bem vs mal", "moral vs imoral", "contra ou a favor" etc... esta falsa dicotomia que parece regrar nossas vidas e fazer parte de uma grande ideologia para manter os status quo de vários indivíduos nesta sociedade.

    É através do próprio conceito de morte que pode-se tirar muitos conceitos dignos e norteadores para nossa própria existência e dar sentido à ela, muito pode-se tornar um pensamento humanista a partir desta reflexão. Se vivemos ou não, após a morte, é uma questão que por enquanto não pode ser muito bem definida, a única coisa é que nossos feitos, permanecem por um bom tempo na memória de alguém, e quanto maior for os feitos mais tempo ele tenderá a perdurar na história.

    Claro que de um ponto de vista humanista não faz sentido viver somente para si, mas também o inverso pode ser pensado, não faz sentido viver somente para os outros. Deve haver um equilíbrio natural entre ambos, aliás há muitas coisas que são inalienáveis de cunho individual, porém o individual não pode se sobressair e ferir a liberdade de outrem.

    De um ponto de vista positivista todas as coisas feitas são úteis aliás, é através da reflexão das mesmas que pode-se tirar conclusões e melhorar nossa caminhada rumo à uma utopia, esta que nos serve como um espelho que mostra onde estamos e nos mostra que devemos melhorar.

    É uma ótima decisão compartilhar seu conhecimento e suas reflexões pessoais com os outros aliás, muitos poderão identificar-se com suas opiniões, poderão ser incentivados a buscar mais, ou quem sabe até discordar destas, mas e se discordarem? isso é bom ou ruim? Acredito eu que da mesma forma é boa, alguém por refletir elas decidiu buscar uma linha de pensamento, mesmo que contradiga-o, mas foi influenciado.

    Com relação à guardar coisas para si, concordo quando elas são de cunho particular e inalienável, porém, opiniões que podem e vão gerar discussões para o desenvolvimento da humanidade local, regional ou quem sabe a um nível muito maior devem ser compartilhadas para que este desenvolvimento ocorra.

    Por último parágrafo faz sentido perguntarmo-nos: O que é "viver"? e o que é "existir"? eu vivo ou existo? neste aspecto os conceitos atribuídos são subjetivos, mas certamente ao definir conceitos diferentes vão ser especificados a um e a outro, nestes um vai ser o somente estar e o outro vai ser desenvolver-se enquanto ser social, racional e cognitivo e aproveitar as oportunidades e informações para filosofar ou qualquer outro conceito similar a refletir sobre a vida e a existência.

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  2. ---- Última nota ---- Tive que dividir pois não coube num comentário só.

    Eu li seu texto na íntegra, gostei muito das opiniões nelas expostas e tenho um pensamento humanista muito similar, quis contribuir para tal acrescentando algumas ideias, não revisei nem tampouco me ative em "escrever bonito". Apenas expressei as ideias aí, se tiver alguma incoerência ou algo que ficou mal entendido peço que me aponte que tento esclarecer. No mais duas coisas: Certamente concordei com a opinião exposta (me ajudou a reforçar meu ponto de vista) e a ti é mais um incentivo a continuar a escrever. Como às vezes eu digo, não importa o número de pessoas que vejam nosso trabalho, importante é que nosso trabalho ajude em algo às pessoas que tem acesso à ele.

    Atenciosamente,

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    1. Concordo com seus comentários (muito ricos, por sinal). Você reforça e expandi o que eu disse no texto, o que é muito bom, pois meus textos são apenas convites e provocações para mais reflexões. Quanto a sua última frase, para continuar escrevendo, sem importar a quantidade de leitores, farei sim. Até lembrei do Nietzsche, ele diz que "seus escritos são todos anzóis", se você é "pego", subirá à superfície, se ninguém é pego, é porque não há "peixes". Muito obrigado por ler, comentar e dar atenção!

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    2. "(...) Você reforça e expande (...)" ***

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