sexta-feira, 3 de julho de 2015

Análise do poema "O banco", de Paulo Franco

O banco

Hoje, poderia ter feito planos,
contado estórias,
contado os dias
que arquitetam anos.

Poderia ter feito charme
ou me escurecido
em um depressivo verso branco.

Poderia ter mastigado calmante,
folheado a minha estante,
mas hoje só fiz um banco.

Sim, um banco destes de se sentar,
um banco destes de antigamente,
feio,
que nem cabe no lirismo dos meus versos.

Hoje, poderia ter feito
qualquer outra coisa,
mas fiz um banco.
Amanhã, quem sabe eu faça
um jardim.

Apetrecho fútil
parido de mim
que não me encontro.

E o interessante
é que nem mesmo preciso
de um banco.
Nem mesmo preciso-me.

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Análise do conteúdo

Neste poema, Paulo Franco retrata perfeitamente a situação da nossa sociedade atual: perdida, triste e alienada. Temos um eu-lírico que diz que neste dia poderia ter feito várias coisas, contado dias, estórias, ficar se gabando ("feito charme") ou ter se escondido ("escurecido") em algum verso branco. Para quem não sabe, versos brancos são versos que não possuem rimas, mas que, ainda assim, possuem métrica. E a confissão continua, com o eu-lírico dizendo que mesmo podendo ter feito tudo isso, fez apenas um banco — percebamos, também, o jogo de palavras, "banco" e "branco", e o jogo de antíteses, "escurecido" e "branco".

Em seguida, o eu-lirico começa a descrever o tal banco, dizendo que é um banco comum, para sentar-se, feio, que nem cabe — e talvez nem corresponda — ao lirismo, ao sentimento do feitor. O interessante é que de todos os versos, aquele que corresponde ao adjetivo "feio" do banco, é o único que possui apenas uma palavra (que é a própria palavra "feio"): é o único diferente.

Depois, insiste-se na ideia que de tantas coisas a fazer, foi feito um banco, e que, talvez, amanhã ele faça um jardim. Quantas vezes nós deixamos as nossas vontades, os nossos desejos, os nossos gostos para o amanhã? Amanhã que nunca chega... O jardim, que é algo natural, algo belo, algo vivo, algo que depende de nós, fica abandonado — isso quando o criamos.

O pior é que o eu-lírico sabe que o banco é "fútil" e que não faz parte dele, que ele não se encontra no que faz (este é o retrato das pessoas que trabalham no que não gostam, estudam o que não querem estudar, etc., mesmo sabendo o que querem e gostam).

Por fim, o eu-lírico mostra saber que não precisa de um banco, nem mesmo precisa de si. Essa é a parte mais triste do poema, pois mostra o quão perdido/alienado e incapaz de mudar está o ser: embora saiba que não precisa de um banco, o faz; embora viva, não vive, sobrevive ou vive sem ver a importância de viver. Se não precisa de si mesmo, por que continua vivendo? Se não precisa do banco, por que o faz? 

Analisemos a figura do banco. O banco é um objeto — portanto, algo sem vida — que serve para se sentar (não necessariamente nós sentarmos, mas também os outros). O exemplo do banco é ótimo para retratar o trabalho das fábricas, pois imagine (ou lembre-se de) alguém que perde a vida toda fazendo bancos, com trabalho, suor, força, etc., mas esses bancos nem servem a ele, mas, sim, para os outros, para os donos sentarem — lucrarem. Bancos ou trabalhos que nem gosto ou vontade em fazê-los a pessoa possui; nem razão para fazê-los ou por fazê-los a pessoa possui, mas os faz. É assim que o próprio ser humano perde a vida, transformando-se em banco para os outros.

O autor, Paulo Franco, é um escritor contemporâneo, vencedor de vários prêmios literários dentro do país.

5 comentários:

  1. Respostas
    1. Fiz a leitura e percebi mais duas nuances. Talvez, subjetivas. A primeira: É notório o fetiche da mercadoria apresentado no que tange a afirmar à despeito do banco, vale notar que em sua análise você claramente identificou isso quando mencionou que o banco é um objeto inanimado, no qual sua função é sentar-se e mesmo assim é-lhe atribuído características transcendentais ao mesmo. A segunda, assim como apontado em sua análise, o conceito de função do trabalho, quando ele diz que termina de fazer o banco e diz que talvez amanhã ele faça um jardim, quer expressar que ele está deixando para o amanhã o que seria para si mesmo, o que podemos observar facilmente na sociedade capitalista.

      Segundo Karl Marx, o trabalho dignifica o homem, o trabalho para subsistência e benefício humano é dignificante. Então acredito que no poema a crítica dá-se entorno da produção do banco através da visão do trabalho capitalista, na qual o banco ganha características que transcendem o objeto e o objetivo deste trabalho é o lucro capital, assim perdendo a essência e função do banco que é sentar-se, conforme apontado pela sua análise.

      Então há um misto da crítica à fetichização da mercadoria, na qual através da alienação do trabalho e da alienação intelectual, torna o banco lucrativo para um e quem produz fica à mercê de receber pouca parcela de seu trabalho, e a imposição da necessidade de comprar algo com características que não lhe são próprias mas que somos induzidos a acreditar que o objeto as tem, respectivamente.

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    2. Muito bom o comentário. Sobre o seu primeiro parágrafo, as duas nuances foram pontuadas no texto. E sobre o segundo e terceiro, muito bons também, mas mais sociológicos.

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  2. Carlos, obrigado pelo carinho. Adorei a análise. Também gostei muito da reflexão do Douglas Ferrari. Abraços.

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    1. Eu que agradeço, duas vezes, Paulo: pela criação poética e pelo carinho e atenção. Abraço! (Espero pelo seu novo livro)

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