quarta-feira, 1 de julho de 2015

Análise da música "Oversoul", da banda Andre Matos (solo)


Oversoul é uma música da banda de Heavy Metal "Andre Matos", composta pelo próprio vocalista e tecladista Andre Matos, Bruno Ladislau (baixista) e Hugo Mariutti (guitarrista), presente no álbum The Turn Of The Lights, de 2012. 

A letra traz uma visão crítica da nossa realidade, sobre o capitalismo, o consumismo e a alienação. Pode-se dizer que a música não chega a ser “pesada”, mas é rápida, assim como o ritmo da vida moderna — e não, como pensa a maioria, que a música é rápida ou pesada somente por a banda ser de Heavy Metal, pois conteúdo e melodia estão intrinsecamente ligados —, possuindo, em certo momento, uma “quebra” de ritmo, mas que depois volta para sua velocidade de início. Analisemos a tradução:

Superalma

As mandíbulas das corporações
Estão se espalhando para todos os lados
Invadindo como uma praga, você não pode ignorar
Você é levado para uma armadilha
Eles parecem nem se importar
Com sua vida, sua saúde — sua miséria!

Eles precisam que você diga
Eles precisam que você jogue
Eles vão achar um jeito para suas necessidades
Você é examinado de cima a baixo
Pois eles querem saber:
Você é simples o bastante para nos servir?

Toda vez que eles atingem seus objetivos
Você é esfaqueado, mas não sabe
Você não consegue sentir a Superalma?
O significado de tudo isso...

O florescer de uma vida
Você é inocente e selvagem
Você acha que sabe a verdade, mas simplesmente não sabe
É assim mesmo, quando se começa
Você tem que se juntar ao jogo!
Você está procurando por respeito — para ser alguém!

Eles forçam você a jogar
Eles forçam você a desejar
A partir de agora, eles estarão por trás de suas necessidades
Você fará o que eles dizem
Não consegue escolher seu próprio caminho
Exatamente quando é tarde demais para voltar atrás.

Toda vez que eles atingem seus objetivos
Você é esfaqueado, mas não sabe
Você não consegue sentir a Superalma?
O significado de tudo isso...

Olhe ao redor e veja
Você perdeu toda a vontade de viver?
Por que você não levanta e luta por sua alma?

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Análise do conteúdo

Começa-se, então, com um eu-lírico alertando sobre o crescimento das corporações/empresas/grupos/instituições que, como se sabe, regem influência direta em nossas vidas. Interessante é que ele compara as corporações às pragas, pois elas alastram-se, destruindo os ambientes — no caso, nossa terra, nossa natureza, nosso planeta, nosso lar — e as vidas; ainda assim, é certo que pragas são prejudiciais, mas podem ser combatidas (o que mostra a esperança do eu – lírico).

Em seguida, diz que somos levados para uma armadilha e que elas/eles, corporações/empresas/governantes, parecem não se importar com as nossas vidas, com a nossa saúde e miséria, o que é verdade, pois todas essas instituições estão preocupadas somente com os lucros (deles, e não os nossos; para eles, quando pensamos e agimos diferente da maioria, nós somos a praga a ser combatida).

Na segunda estrofe, o eu-lírico mostra o quanto estamos ligados às corporações, e estas, a nós; diz que precisam de nossa opinião, necessitam conhecer nossas necessidades e vontades, para que, assim, continuemos no jogo (deles).

Não é muito raro vermos empresas, sites etc. perguntando ou pedindo a nossa opinião sobre tal produto, modificação ou ação; sempre usando a "segunda pessoa do singular", “tu/você”, para dar a impressão de que realmente se importam e de que nós quem mandamos, criando um ar de “construção”, quando, na realidade, é manipulação. Termina-se a estrofe dizendo que somos examinados de cima a baixo e que as corporações realmente estão preocupadas conosco: querem saber se iremos servi-las ou não.

Então, chega o refrão da música, no qual é dito que todas as vezes que “eles” atingem seus objetivos, somos esfaqueados sem saber. Claro, nossa pobreza ou nosso prejuízo é o lucro e a riqueza dos donos de empresas; ou ainda, como vemos atualmente, no Brasil, os políticos comemorando suas vitórias, com seus projetos pessoais, irracionais e empresariais, que fazem bem somente a eles, mas não ao povo — e que, se não pesquisarmos, nem ficamos sabendo. O refrão termina com uma pergunta: “Você não consegue sentir a Superalma? / O significado de tudo isso...”; notemos o uso da letra maiúscula em “Superalma”, algo que dá um significado maior à palavra.

Em inglês, a palavra “over” já deixa a expressão com mais ênfase, portanto, “oversoul” seria uma “superalma”, mas Andre Matos ainda a deixa com letra maiúscula. Quando se usa uma palavra desta forma, trata-se de algo supremo, algo universal, a representação perfeita daquilo que se propõe — característica da Literatura Clássica. Pode-se interpretar essa “Superalma” como a situação da vida, a situação como um todo, com seus lados bons e ruins, externos e internos.

Na próxima estrofe, o eu–lírico fala sobre o florescer da vida, sobre o despertar;  diz que somos inocentes e selvagens, achamos que conhecemos a verdade (sem saber). Aqui, mostra-se a experiência do eu–lírico, que, por ser mais velho, sabe que quando estamos despertando, achamo-nos inteligentes, mas temos tanto a aprender... Ou, talvez, esteja falando dos alienados; vemos tantas pessoas se considerando cultas, menosprezando todos os outros que não concordam com suas ideias, chamando-os de alienados e dominados por uma ideologia, quando, na verdade, nem percebem que eles também estão sob outra ideologia, mas não percebem — ou não querem saber.

Para terminar a estrofe, diz que a vida é assim mesmo, temos de nos juntar ao jogo, procurar por respeito, procurar ser alguém. Isso é ensinado e realmente torna-se o desejo de muitos. Essa é a ideologia passada, mas poucos se perguntam: o que é ser alguém? Ter respeito pelo o quê? Muitos confundem “respeito” com “medo”, outros querem ser respeitados pelo o que têm, e não pelo o que são. Todos devem buscar ser alguém, sendo assim, ser alguém é ser igual, e quem não pensa assim é diferente, é perigoso, é louco, é praga. O jogo deve ser jogado, não pode ser modificado, não pode ser (re)construído ou debatido.

Como objetos, somos forçados a jogar e levados a desejar, assim, não precisamos somente das necessidades, mas de quem as produza (e as induza) também. Fazemos o que mandam fazer, não escolhemos nosso próprio caminho, tornamo-nos alienados. Tornamo-nos objetos ao invés de sujeitos. Depois disso, repete-se o refrão e inicia-se o solo.

Neste momento, quando o refrão acaba, a música tem um corte repentino, tocando somente o piano. A música fica silenciosa, triste, como se fosse um momento para a reflexão. Aos poucos, os instrumentos voltam à velocidade inicial e o eu–lírico faz suas últimas questões ao leitor/ouvinte: “Olhe ao redor e veja / Você perdeu toda a vontade de viver? / Por que você não levanta e luta por sua alma?”, incitando-nos a sermos nós mesmos, buscarmos e lutarmos para sermos o que somos, e não o que querem que sejamos.

Além disso, ao sugerir a luta pela alma, que é algo abstrato, deixamos, pelo menos nesse momento, de lutar por coisas materiais. Repete-se o refrão e termina-se a música, novamente, com quebra de ritmo, triste, assim como a situação da vida no mundo atual, ou como pode  acabar se continuarmos assim. 

//  

Andre Matos é um dos maiores representantes do Heavy Metal brasileiro, reconhecido como um dos maiores vocalistas do mundo. Já esteve à frente das bandas Viper, Angra, Shaman, Virgo e Symfonia, além de ter participado de vários projetos. Está em carreira solo desde 2006, onde lançou três álbuns até então, sendo The Turn of The Lights o último. 

4 comentários:

  1. Ótima música crítica e ótima análise da música :D

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  2. Essa música me lembrou de duas outras "3a do Plural" dos Eng. Do Hawaii e "Admirável Chip Novo" da Pitty
    Parabéns pela análise da música

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    1. Muito boas as duas músicas citadas, mas a da Pitty é baseada no livro Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley (que li recentemente e até fiz e publiquei um texto sobre ele aqui, no blog), que engloba mais do que o capitalismo.

      Obrigado, Tiago!

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