domingo, 11 de dezembro de 2016

Um brevíssimo comentário sobre o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley

Admirável Mundo Novo (2016), de Aldous Huxley, é um romance distópico futurista, escrito em 1932, que apresenta uma crítica muito forte aos sistemas ditatoriais, à ciência e à sociedade. Um livro que lançou premissas que já se concretizaram e outras que estão para se concretizar, além de influenciar diversas áreas da arte, como o cinema e a música, por exemplo.

O tempo do romance é dividido entre antes e depois de Ford, o empresário que virou um revolucionário para a sociedade, com a criação do sistema de produção em massa. Desde então, tudo o que é autenticamente humano dissipou-se, tornando-se algo maquinal. As pessoas, por exemplo, já nascem dentro de laboratórios; a família é algo do passado, não existe mais (é até uma ofensa mencioná-la).

Não só isso. Assim que alguém é criado (por meio de uma reprodução artificial), sua casta é definida: será líder, presidente, empregado, escravo etc. Desde que se tenha consciência, a pessoa, ao dormir, já recebe informações que moldarão o seu caráter e o seu comportamento. São os chamados condicionamentos, criados, sabemos, pelos behavoristas, no início do século XX.

Esses condicionamentos acompanham as pessoas durante toda a vida, sendo, em cada época do seu desenvolvimento, um tipo diferente, fazendo o ser amar ou odiar algo, alguém ou uma classe social. Não à toa, o nome de um dos departamentos faz menção a Pavlov, um dos inventores do Behaviorismo. Mais à frente, no romance, surge um personagem chamado Watson, que também foi importante nessa área da Psicologia.

Nessa sociedade de Admirável Mundo Novo, o questionamento não existe e é proibido, assim como a leitura e a tristeza. Para que ninguém pense nessas questões, são condicionados a trabalharem ou a fugirem da realidade, através dos esportes e de uma droga distribuída pelo governo, chamada Soma. Essa droga faz, na hora, a pessoa esquecer o problema e a situação em que está inserida, para delirar num mundo alegre e imaginário. Todos os dias, após saírem das fábricas, os trabalhadores recebem uma dose desse medicamento...

Uma outra forma de se passar o tempo, além dos esportes, que são criados para serem praticados com muitos equipamentos, para que se precise comprá-los (tudo gira ao redor do capitalismo), é o cinema-sensível. Um cinema moderno que de conteúdo é muito pobre, mas sua qualidade está nas sensações que ele consegue transmitir, tais como o cheiro, o gosto e o tato que os personagens estão vivenciando.

Nesse mundo distópico camuflado como utópico, as relações humanas de sentimento e amor são proibidas, pois criar laços é perigoso: as pessoas podem se revoltar por quem ou pelo o quê elas gostam. Não existe monogamia, todos são de todos, as relações sexuais são feitas por puro prazer, já que é o que a sociedade deseja, além de a gravidez quase não existir mais.

Inserido nesse contexto está Bernard Marx, um homem que não se identifica com esse sistema e que valoriza o que ninguém preza (como observar a natureza, por exemplo — aliás, todos são incitados a não quererem se aproximar dela, pois é grátis e não traz lucro: é preferível que vivam dentro da cidade, gastando), além de recusar o Soma. Não é à toa que o autor deu esse sobrenome a esse personagem, lembrando-nos o sociólogo e filósofo alemão Karl Marx, que propôs um sistema econômico diferente (comunismo) daquele no qual vivia, o capitalismo.

No entanto, Marx já estava sendo observado por seus superiores e colegas; e, por isso mesmo, era excluído de todos. Numa viagem para uma reserva de selvagens — havia ainda pessoas que viviam “à moda antiga”, com religiões (que não existem na “civilização”), ritos, gestações e sentimentos —, junto da mulher que ele gosta, Lenina, conhece John (que também se apaixona por Lenina) e sua mãe, Linda. 

Descobrindo que eram, na verdade, “mulher” e filho abandonado pelo superior que estava querendo enviá-lo a uma ilha, ele (Marx) leva-os para a Utopia e humilha o diretor, que pede demissão ao saber (e ser exposto a todos) que tem um filho e que sua "antiga mulher" está viva, feia e gorda. Marx, assim, evita o seu exílio.

A partir daí, o personagem principal torna-se o Selvagem (John), que estranha e nega veemente esse mundo de falsidades, onde a humanidade é dispensada. É com ele que as maiores críticas são feitas. É preciso ressaltar que o Selvagem conhece toda a obra de Shakespeare e, por isso, compreende bem os sentimentos humanos, diferente dos cidadãos do Admirável Mundo Novo (aliás, “Admirável Mundo Novo” é uma expressão proferida na obra A tempestade, de Shakespeare, que é citada por John ao saber que será levado à Utopia).

Por conhecer e compreender a genialidade do Bardo Inglês, o Selvagem percebe que os conteúdos dos filmes são muito pobres e que o que prende as pessoas à cadeira são as sensações (que ele detesta sentir). Podemos dizer que é o que acontece hoje, com essas histórias de pouca criatividade, mas repletas de efeitos 3D...

Não só isso, John acaba por influenciar um outro personagem, Watson, um Alfa (classe alta), que, com ele e Marx, se revoltam — embora nesse momento Marx mostre ser um covarde, com medo do sistema e do exílio —, dizendo às pessoas para jogarem fora o Soma, que aquilo é veneno e que faz mal para eles. No entanto, a massa agride-os, querendo a droga... É o retrato da Caverna de Platão.

Assim, os três possuem uma conversa com o presidente dessa fundação, que revela saber de todos esses problemas, que ele também sofre com isso, mas é necessário para manter a ordem e a segurança de todos. Que na verdade, os assuntos e autores do “passado” são atuais (por isso proibidos), mas o povo não compreende nem a sua realidade, quanto mais um pensamento que o faça ir além. Não vale a pena. É preciso que alguém sustente a elite sem reclamar, trabalhando, por isso há o condicionamento, por isso há o Soma e todos os confortos que desejam.

Com isso, os três (John, Marx e Watson) são exilados: os dois últimos (obrigatoriamente) numa ilha onde só há pessoas sãs, conscientes da sociedade em que vivem; e John, por escolha própria (não à toa, pois ele já veio de fora, onde, de certa forma, há o livre-arbítrio) se refugia na floresta, pois prefere viver solitariamente uma vida “selvagem” do que confortavelmente numa mentira que lhe faz mal.

No fim, o que se percebe é que Aldous Huxley era e é um homem muito a frente de seu tempo, que percebeu que os melhores sistemas ditatoriais não são/não serão aqueles que agem/agirão através da violência (como pensou Orwell), mas através do prazer e do lazer. Assim, as pessoas defenderão o sistema que as prende. Um homem que adiantou o perigo que a ciência pode trazer, caso ela seja tomada como fim e não como meio, pois em Admirável Mundo Novo é o homem que serve ao sistema e à ciência, não ela ao homem.

O Soma pode ser substituído por qualquer um desses prazeres de curto prazo que vendem em qualquer lugar (droga, cigarro, bebida, doces, redes sociais etc.); o ensinamento através do sono pode ser comparado às imposições implícitas dadas pela mídia e pelas propagandas; os relacionamentos rápidos são a marca da sociedade líquida atual; a ausência da leitura dos clássicos já é sentida há tempos, a qual é trocada por leituras de rápidas e desnecessárias mensagens na internet. Só nos falta sermos criados em larga escala de gêmeos de laboratórios (a diferença é um problema na sociedade de Huxley, por isso é evitada), porém a esterilização e a inseminação artificial já estão presentes há alguns anos — e a padronização de estilos, ações e características já é comum.

Além de revolucionar com suas “previsões”, o livro de Aldous influenciou na criação de outras artes também. Há filmes que trazem algumas semelhanças com trechos da obra, como, por exemplo, A Viagem (Cloud Atlas), filme de 2012, que traz um futuro onde há várias personagens gêmeas que só vivem para o trabalho. Além disso, há algumas músicas que tomam o romance como referência, a saber: Admirável Gado Novo (1979), de Zé Ramalho; Admirável Chip Novo (2003), da cantora Pitty; Brave New World (2000), da banda Iron Maiden; e Soma (2001), da banda The Strokes.

Em suma, Admirável Mundo Novo é um livro riquíssimo de críticas e metáforas que nos ajudam a nos conhecermos melhor, assim como visões sobre quem podemos ser e/ou nos tornar. Um texto de apenas quatro laudas é pouquíssimo (muito pouco, mesmo!) para descrever uma obra tão genial. Leitura obrigatória.


Referências

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Lino Vallandro e Vida Serrano. 22. ed. São Paulo: Globo, 2014.
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