domingo, 14 de fevereiro de 2016

Diálogo sobre um coitado

— Como vai o coração?
— Descansando, após a última tatuagem.
— Como assim?
— Toda pessoa que o conhece tatua seu próprio nome nele. Dói, mas dói ainda mais quando alguém vai embora e o nome fica ali, para sempre. Depois de muito tempo, o coração tenta se lembrar do rosto da pessoa, mas não consegue; só ficou o nome. O mais triste, moça, é que ele não consegue mais lembrar como era antes de ter todos aqueles nomes por cima.
— E ainda há espaço livre?
— Não. Por isso ele não entende nada, perdido em si mesmo. Os nomes agora estão uns por cima dos outros; e quem mais quiser escrever, infelizmente, terá que ser por cima do último.
— Entendo. Mas ele não consegue lembrar por sua própria incapacidade. O problema está na memória e na mente, não no coração. Coitado. Todo ser e todos os seres aproveitam-se dele, que continua servindo-o(s) continuamente. Mas ninguém o serve. O único que pode ajudá-lo é o próprio dono, mas este só o ajuda porque é obrigado; ajuda-o sem saber (e também o oposto: machuca-o sem saber). Na maior parte do tempo, o dono até esquece que ele existe. É um coitado.
— É. Coitado do coração.
— Não, estou falando de você. Você é o coitado; e o culpado também.

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