sexta-feira, 31 de julho de 2015

Sobre as fórmulas

Certo dia, escrevi três versos.
Versos simples, curtos,
que não chegaram nem a quatorze palavras;
um amigo me disse que era um haicai.
Desconfiei que não era,
mas fiquei o dia todo pensando.
Contei para uma amiga sobre o caso e ela disse:
Não, não é haicai; nem deveria ser.
O poema tem que ser você.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Análise da música "Toda forma de poder", da banda Engenheiros do Hawaii e a relação com a "novilíngua".

“Toda forma de poder” é uma música da banda Engenheiros do Hawaii, lançada em 1986, no álbum “Longe Demais das Capitais”. A letra, de cunho político, faz uma crítica aos governos e, como diz o próprio título, a “toda forma de poder”. É bom lembrar que a Ditadura Militar havia acabado há pouco tempo no Brasil, por isso a banda e tantas outras ainda discutiam esse tema.

O que chama a atenção nessa música é que, além do título, obviamente, a canção sugere, nos seus primeiros segundos, sobre o que tratará: a bateria de Carlos Maltz é tocada num ritmo de marcha, que pode ser associada ao Exército, aos militares, que estiveram no poder até há pouco tempo, considerando a data de 1986, um ano após o fim da Ditadura. E depois, no primeiro verso da letra, é feita uma crítica à linguagem usada pelos políticos/governantes/pessoas importantes, algo que, como será mostrado, está associado à “novilíngua”; ao mesmo tempo, ironicamente, em seguida, essa mesma estratégia é usada pelo próprio eu-lírico. Eis a letra:

Toda forma de poder

Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada (Yeah, yeah)
Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada (Yeah, yeah)
E eu começo a achar normal que algum boçal
Atire bombas na embaixada
(Yeah yeah, uoh, uoh)

Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer

Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada
(Yeah, yeah)
Toda forma de conduta se transforma numa luta armada
(Uoh uoh)
A história se repete
Mas a força deixa a história mal contada

Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer

E o fascismo é fascinante
Deixa a gente ignorante e fascinada
É tão fácil ir adiante e se esquecer
Que a coisa toda tá errada
Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada

Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer


Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer



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Logo de início, nota-se a percepção do eu-lírico quanto à espécie de novilíngua: “Eu presto atenção no que eles dizem / mas eles não dizem nada”. A novilíngua, idioma fictício do governo autoritário de “1984”, livro de George Orwell, “é o processo de manipulação da linguagem que invade o campo político, esvazia o discurso e, como pesadelo de Orwell, instrumentaliza a esfera pública”. Todos sabemos o quanto os políticos enrolam em seus discursos, mudam de assunto, utilizam frases prontas, frases de efeito (às vezes contraditórias), enfim, “falam sem falar”, com intuito de se distanciarem do assunto principal. É a novilíngua, muito utilizada por ditadores.

Em seguida, o eu-lírico diz que Fidel Castro e Pinochet dão risada de nós, pois não fazemos nada, e que ele já começa a achar normal que algum boçal/ignorante — fascista? — atire bombas na embaixada. É que a novilíngua é “capaz de minar o hábito de ouvir, a atenção e a concentração, formando pessoas que deixam de pensar a política como uma esfera de atuação em seu cotidiano” e assim, acostumam-se, apenas seguem o que é dito, acreditam que todos os discursos são iguais e mentirosos, alienam-se. 

Os nomes Fidel e Pinochet podem ser trocados por vários outros, aqui mesmo, no Brasil, temos tantos políticos que caçoam de nós, que criam leis que beneficiam a eles e nos prejudicam, no entanto, nós não fazemos nada para combatê-los; ou ainda, nem precisa ser político, mas líderes religiosos ou certos “artistas”, que soltam seus ideais e passam por cima de leis e nada lhes acontece.

Para quem não sabe, Fidel Castro foi o revolucionário cubano, líder ao lado de Che Guevara na Revolução Cubana, que tirou o ditador Fulgêncio Batista do poder e que implantou o Comunismo. Embora Cuba tenha melhorado em muitos sentidos desde então, Fidel Castro continuou sendo autoritário. Assim, o eu-lírico critica a “extrema esquerda”. 

Por outro lado, Augusto Pinochet, comandante do exército chileno, foi quem liderou o golpe militar de 1973 e implantou uma ditadura sobre o Chile. Autoritarismo e fascismo resumem o que foi o “governo” de Pinochet. Assim, o eu- lírico critica a “extrema direita”.

Em seguida, chega o refrão, e é nesta parte em que o eu-lírico, conscientemente, aproxima-se da novilíngua, distanciando-se totalmente do discurso proferido na primeira estrofe.

Se no primeiro verso ele reclama que presta “atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”, agora, quem não diz nada é o próprio eu-lírico: “Se tudo passa, talvez você passe por aqui / E me faça esquecer tudo que eu vi / Se tudo passa, talvez você passe por aqui / E me faça esquecer”. 

Além de fugir do assunto político que estava sendo discutido, neste momento o eu-lírico canta mais devagar, repete algumas frases e ainda se utiliza de um jogo de palavras que faz o refrão ser a parte mais memorável da música. Observemos o jogo de palavras usado, destacadas as sílabas que o compõem: SE – pasSA – voCÊ – pasSE – faÇA – esqueCER – SE – pasSA – voCÊ – pasSE – faÇA – esqueCER.

Não é à toa que a maioria das pessoas lembra somente desta parte da música, esquecendo-se totalmente (ou nem percebendo/refletindo) o teor crítico do resto dela. E isso acontece na maioria das músicas. 

Passando o refrão, o eu-lírico volta com suas críticas e diz que “toda forma de poder é uma forma de morrer por nada”, pois “toda forma de conduta se transforma numa luta armada”. Aqui se mostra quase um niilismo do eu-lírico, pois este não vê sentido em forma alguma de poder, seja de “direita" ou de "esquerda”, além disso, há a denúncia de que todo extremismo causa revoltas/ lutas armadas. 

Ainda nesta parte, é importante perceber a construção dos versos, que é bem composta. “Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada” possui uma rima interna, com as palavras “poder” e “morrer”, que, aliás, são de classes gramaticais diferentes (substantivo e verbo), o que cria uma rima rica. Outra rima interna acontece em “Toda forma de conduta se transforma numa luta armada”, com as palavras “conduta” e “luta”. Isso mostra o cuidado e a habilidade do letrista, no caso, Humberto Gessinger, já no primeiro álbum.

Termina-se essa estrofe dizendo que “a história se repete / mas a força deixa a história mal contada”, até porque, geralmente quem sobra para contá-la é o vencedor. Ou, como disse Napoleão (que, por ter ficado na História, pode ser considerado um vencedor, mesmo após sua última derrota): “A História é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo”. A força e o autoritarismo deformam os fatos e criam ideologias, por sua vez, camufladas por discursos. 

É interessante notar que o eu-lírico, ao terminar de cantar a última palavra da estrofe, “contada”, fica repetindo as duas últimas sílabas: “ta” e “da”, como se fosse um eco, assim como é dito que a história se repete, mas mal contada, contada pela metade, contada só o final. Outra interpretação possível é a de que essas duas últimas sílabas, ao serem repetidas, conotam uma onomatopeia, o som de uma arma, representando o tipo de “força” que “deixa a história mal contada”.

Depois disso, volta o refrão que nada tem a ver com o conteúdo da música, agora com mais de uma voz e cantado mais alto. Talvez, implicitamente, esteja mostrando que para a fuga há mais forças/pessoas/vozes, mas para a crítica...

Por fim, depois de tantos indícios que o eu-lírico já tinha dado, ele fala do fascismo. Diz que o “fascismo é fascinante / deixa a gente ignorante e fascinada / É tão fácil ir adiante e se esquecer / Que a coisa toda tá errada / Eu presto atenção no que eles dizem / Mas eles não dizem nada”.

Além de ser real, essa estrofe é atual. Ora, o fascismo, a violência, o poder, realmente atraem/fascinam. Dão uma resposta simples e rápida para problemas difíceis e complexos. Assim nascem as ideologias. O Nazismo, por exemplo, deu uma resposta muito simples e rápida para todos os problemas na Alemanha: extermínio de judeus. Disseram, na época, que o problema de toda a situação ruim (seja econômica, cultural etc.) da Alemanha era a presença dos judeus, sendo assim, a solução era somente exterminá-los. Não houve autocrítica nem diálogo, apenas imposição e eliminação de um ao outro. Hoje, ataques às minorias (defendidos por pessoas importantes, inclusive!) continuam acontecendo, sem reflexão nem diálogo. É o fascismo em escala menor, porque não oficializado.

Voltando à novilíngua, ela foi e ainda é muito utilizada por ditadores e fascistas, tanto que antes de ela possuir esse nome, era referida como “linguagem stalinista” (Stalin, como se sabe, foi um ditador da União Soviética). A ideia de punição/aniquilação/destruição, isto é, o fascismo, fascina e “deixa a gente ignorante”. Dão-se respostas simples e rápidas, porque é “tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda está errada”. 

// 

Não nos deixemos enganar pela linguagem, não nos deixemos cair em ideologias; pensemos antes de agir, porque ao agirmos sem pensar, se não for por emoção e desatenção, é por intenção, é por pretensão, é por ação imediata, ao invés de reflexão, opinião e ação sensata. 

Engenheiros do Hawaii é uma banda brasileira de rock, liderada por Humberto Gessinger, criada em 1984, esteve em atividade até 2008, ano em que a banda entrou em “pausa” e está até hoje. 

REFERÊNCIAS

JANUÁRIO, Marcelo Gallio. O vazio do discurso: Como uma linguagem vaga pode transformar-se em ferramenta eleitoral. Disponível em:  <http://revistalingua.com.br/textos/84/o-vazio-do-discurso-271230-1.asp>.  Acesso em:  07. Jul. 2015.

ENGENHEIROS do Hawaii. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Engenheiros_do_Hawaii>. Acesso em: 07/07/2015.

domingo, 5 de julho de 2015

O individualismo intrínseco

Ao dizermos que “vivemos em sociedade” chega até a ser irônico. Como podemos viver em grupos, se pensamos somente em nós mesmos? Falsidade para com todos e para nós mesmos. Vivemos em sociedade porque somos obrigados, pois somos (ou nos tornamos) seres individualistas.

Hoje, mais do que nunca, as pessoas estão cada vez mais egoístas; cada vez mais pensando em si mesmas. Frequentemente vê-se muitas pessoas cursando e capacitando-se para melhorar de emprego, mas não para melhorar seu trabalho e a si mesmo, mas sim, para receber mais. Em redes sociais percebemos o apelo feito para conseguir atenção, para conseguir likes, para aumentar o próprio ego.

Em contrapartida, vêem-se cada vez menos pessoas ajudando os outros. Pouquíssimos o fazem. É muito comum vermos alguém caindo na rua e ao redor, pessoas rindo ao invés de ajudar (o quadro “Cassetadas — seja lá como se chama — do Faustão”, da rede Globo, mostra muito bem isso: pessoas achando graça da desgraça de outrem).

Há toda uma lógica do capitalismo que incita-nos a sermos egoístas, buscarmos sermos os melhores, colocar-nos a competir — quando, ao contrário, deveríamos ajudar-nos; olhar, importar e cuidar do outro.

Enfim, a situação é/está realmente triste e só tende a piorar. Estamos tão concentrados (e convictos) em nós mesmos que, quando vemos as poucas pessoas solidárias agindo, achamos que eles querem se beneficiar com algo. Como diz Nietzsche: "Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade".

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Análise do poema "O banco", de Paulo Franco

O banco

Hoje, poderia ter feito planos,
contado estórias,
contado os dias
que arquitetam anos.

Poderia ter feito charme
ou me escurecido
em um depressivo verso branco.

Poderia ter mastigado calmante,
folheado a minha estante,
mas hoje só fiz um banco.

Sim, um banco destes de se sentar,
um banco destes de antigamente,
feio,
que nem cabe no lirismo dos meus versos.

Hoje, poderia ter feito
qualquer outra coisa,
mas fiz um banco.
Amanhã, quem sabe eu faça
um jardim.

Apetrecho fútil
parido de mim
que não me encontro.

E o interessante
é que nem mesmo preciso
de um banco.
Nem mesmo preciso-me.

//

Análise do conteúdo

Neste poema, Paulo Franco retrata perfeitamente a situação da nossa sociedade atual: perdida, triste e alienada. Temos um eu-lírico que diz que neste dia poderia ter feito várias coisas, contado dias, estórias, ficar se gabando ("feito charme") ou ter se escondido ("escurecido") em algum verso branco. Para quem não sabe, versos brancos são versos que não possuem rimas, mas que, ainda assim, possuem métrica. E a confissão continua, com o eu-lírico dizendo que mesmo podendo ter feito tudo isso, fez apenas um banco — percebamos, também, o jogo de palavras, "banco" e "branco", e o jogo de antíteses, "escurecido" e "branco".

Em seguida, o eu-lirico começa a descrever o tal banco, dizendo que é um banco comum, para sentar-se, feio, que nem cabe — e talvez nem corresponda — ao lirismo, ao sentimento do feitor. O interessante é que de todos os versos, aquele que corresponde ao adjetivo "feio" do banco, é o único que possui apenas uma palavra (que é a própria palavra "feio"): é o único diferente.

Depois, insiste-se na ideia que de tantas coisas a fazer, foi feito um banco, e que, talvez, amanhã ele faça um jardim. Quantas vezes nós deixamos as nossas vontades, os nossos desejos, os nossos gostos para o amanhã? Amanhã que nunca chega... O jardim, que é algo natural, algo belo, algo vivo, algo que depende de nós, fica abandonado — isso quando o criamos.

O pior é que o eu-lírico sabe que o banco é "fútil" e que não faz parte dele, que ele não se encontra no que faz (este é o retrato das pessoas que trabalham no que não gostam, estudam o que não querem estudar, etc., mesmo sabendo o que querem e gostam).

Por fim, o eu-lírico mostra saber que não precisa de um banco, nem mesmo precisa de si. Essa é a parte mais triste do poema, pois mostra o quão perdido/alienado e incapaz de mudar está o ser: embora saiba que não precisa de um banco, o faz; embora viva, não vive, sobrevive ou vive sem ver a importância de viver. Se não precisa de si mesmo, por que continua vivendo? Se não precisa do banco, por que o faz? 

Analisemos a figura do banco. O banco é um objeto — portanto, algo sem vida — que serve para se sentar (não necessariamente nós sentarmos, mas também os outros). O exemplo do banco é ótimo para retratar o trabalho das fábricas, pois imagine (ou lembre-se de) alguém que perde a vida toda fazendo bancos, com trabalho, suor, força, etc., mas esses bancos nem servem a ele, mas, sim, para os outros, para os donos sentarem — lucrarem. Bancos ou trabalhos que nem gosto ou vontade em fazê-los a pessoa possui; nem razão para fazê-los ou por fazê-los a pessoa possui, mas os faz. É assim que o próprio ser humano perde a vida, transformando-se em banco para os outros.

O autor, Paulo Franco, é um escritor contemporâneo, vencedor de vários prêmios literários dentro do país.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Análise da música "Oversoul", da banda Andre Matos (solo)


Oversoul é uma música da banda de Heavy Metal "Andre Matos", composta pelo próprio vocalista e tecladista Andre Matos, Bruno Ladislau (baixista) e Hugo Mariutti (guitarrista), presente no álbum The Turn Of The Lights, de 2012. 

A letra traz uma visão crítica da nossa realidade, sobre o capitalismo, o consumismo e a alienação. Pode-se dizer que a música não chega a ser “pesada”, mas é rápida, assim como o ritmo da vida moderna — e não, como pensa a maioria, que a música é rápida ou pesada somente por a banda ser de Heavy Metal, pois conteúdo e melodia estão intrinsecamente ligados —, possuindo, em certo momento, uma “quebra” de ritmo, mas que depois volta para sua velocidade de início. Analisemos a tradução:

Superalma

As mandíbulas das corporações
Estão se espalhando para todos os lados
Invadindo como uma praga, você não pode ignorar
Você é levado para uma armadilha
Eles parecem nem se importar
Com sua vida, sua saúde — sua miséria!

Eles precisam que você diga
Eles precisam que você jogue
Eles vão achar um jeito para suas necessidades
Você é examinado de cima a baixo
Pois eles querem saber:
Você é simples o bastante para nos servir?

Toda vez que eles atingem seus objetivos
Você é esfaqueado, mas não sabe
Você não consegue sentir a Superalma?
O significado de tudo isso...

O florescer de uma vida
Você é inocente e selvagem
Você acha que sabe a verdade, mas simplesmente não sabe
É assim mesmo, quando se começa
Você tem que se juntar ao jogo!
Você está procurando por respeito — para ser alguém!

Eles forçam você a jogar
Eles forçam você a desejar
A partir de agora, eles estarão por trás de suas necessidades
Você fará o que eles dizem
Não consegue escolher seu próprio caminho
Exatamente quando é tarde demais para voltar atrás.

Toda vez que eles atingem seus objetivos
Você é esfaqueado, mas não sabe
Você não consegue sentir a Superalma?
O significado de tudo isso...

Olhe ao redor e veja
Você perdeu toda a vontade de viver?
Por que você não levanta e luta por sua alma?

//


Análise do conteúdo

Começa-se, então, com um eu-lírico alertando sobre o crescimento das corporações/empresas/grupos/instituições que, como se sabe, regem influência direta em nossas vidas. Interessante é que ele compara as corporações às pragas, pois elas alastram-se, destruindo os ambientes — no caso, nossa terra, nossa natureza, nosso planeta, nosso lar — e as vidas; ainda assim, é certo que pragas são prejudiciais, mas podem ser combatidas (o que mostra a esperança do eu – lírico).

Em seguida, diz que somos levados para uma armadilha e que elas/eles, corporações/empresas/governantes, parecem não se importar com as nossas vidas, com a nossa saúde e miséria, o que é verdade, pois todas essas instituições estão preocupadas somente com os lucros (deles, e não os nossos; para eles, quando pensamos e agimos diferente da maioria, nós somos a praga a ser combatida).

Na segunda estrofe, o eu-lírico mostra o quanto estamos ligados às corporações, e estas, a nós; diz que precisam de nossa opinião, necessitam conhecer nossas necessidades e vontades, para que, assim, continuemos no jogo (deles).

Não é muito raro vermos empresas, sites etc. perguntando ou pedindo a nossa opinião sobre tal produto, modificação ou ação; sempre usando a "segunda pessoa do singular", “tu/você”, para dar a impressão de que realmente se importam e de que nós quem mandamos, criando um ar de “construção”, quando, na realidade, é manipulação. Termina-se a estrofe dizendo que somos examinados de cima a baixo e que as corporações realmente estão preocupadas conosco: querem saber se iremos servi-las ou não.

Então, chega o refrão da música, no qual é dito que todas as vezes que “eles” atingem seus objetivos, somos esfaqueados sem saber. Claro, nossa pobreza ou nosso prejuízo é o lucro e a riqueza dos donos de empresas; ou ainda, como vemos atualmente, no Brasil, os políticos comemorando suas vitórias, com seus projetos pessoais, irracionais e empresariais, que fazem bem somente a eles, mas não ao povo — e que, se não pesquisarmos, nem ficamos sabendo. O refrão termina com uma pergunta: “Você não consegue sentir a Superalma? / O significado de tudo isso...”; notemos o uso da letra maiúscula em “Superalma”, algo que dá um significado maior à palavra.

Em inglês, a palavra “over” já deixa a expressão com mais ênfase, portanto, “oversoul” seria uma “superalma”, mas Andre Matos ainda a deixa com letra maiúscula. Quando se usa uma palavra desta forma, trata-se de algo supremo, algo universal, a representação perfeita daquilo que se propõe — característica da Literatura Clássica. Pode-se interpretar essa “Superalma” como a situação da vida, a situação como um todo, com seus lados bons e ruins, externos e internos.

Na próxima estrofe, o eu–lírico fala sobre o florescer da vida, sobre o despertar;  diz que somos inocentes e selvagens, achamos que conhecemos a verdade (sem saber). Aqui, mostra-se a experiência do eu–lírico, que, por ser mais velho, sabe que quando estamos despertando, achamo-nos inteligentes, mas temos tanto a aprender... Ou, talvez, esteja falando dos alienados; vemos tantas pessoas se considerando cultas, menosprezando todos os outros que não concordam com suas ideias, chamando-os de alienados e dominados por uma ideologia, quando, na verdade, nem percebem que eles também estão sob outra ideologia, mas não percebem — ou não querem saber.

Para terminar a estrofe, diz que a vida é assim mesmo, temos de nos juntar ao jogo, procurar por respeito, procurar ser alguém. Isso é ensinado e realmente torna-se o desejo de muitos. Essa é a ideologia passada, mas poucos se perguntam: o que é ser alguém? Ter respeito pelo o quê? Muitos confundem “respeito” com “medo”, outros querem ser respeitados pelo o que têm, e não pelo o que são. Todos devem buscar ser alguém, sendo assim, ser alguém é ser igual, e quem não pensa assim é diferente, é perigoso, é louco, é praga. O jogo deve ser jogado, não pode ser modificado, não pode ser (re)construído ou debatido.

Como objetos, somos forçados a jogar e levados a desejar, assim, não precisamos somente das necessidades, mas de quem as produza (e as induza) também. Fazemos o que mandam fazer, não escolhemos nosso próprio caminho, tornamo-nos alienados. Tornamo-nos objetos ao invés de sujeitos. Depois disso, repete-se o refrão e inicia-se o solo.

Neste momento, quando o refrão acaba, a música tem um corte repentino, tocando somente o piano. A música fica silenciosa, triste, como se fosse um momento para a reflexão. Aos poucos, os instrumentos voltam à velocidade inicial e o eu–lírico faz suas últimas questões ao leitor/ouvinte: “Olhe ao redor e veja / Você perdeu toda a vontade de viver? / Por que você não levanta e luta por sua alma?”, incitando-nos a sermos nós mesmos, buscarmos e lutarmos para sermos o que somos, e não o que querem que sejamos.

Além disso, ao sugerir a luta pela alma, que é algo abstrato, deixamos, pelo menos nesse momento, de lutar por coisas materiais. Repete-se o refrão e termina-se a música, novamente, com quebra de ritmo, triste, assim como a situação da vida no mundo atual, ou como pode  acabar se continuarmos assim. 

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Andre Matos é um dos maiores representantes do Heavy Metal brasileiro, reconhecido como um dos maiores vocalistas do mundo. Já esteve à frente das bandas Viper, Angra, Shaman, Virgo e Symfonia, além de ter participado de vários projetos. Está em carreira solo desde 2006, onde lançou três álbuns até então, sendo The Turn of The Lights o último.