Acordei e senti meu corpo
normalmente: sem dores e com a preguiça comum do dia-a-dia. Abri a janela e vi
o céu: nada de extraordinário também. Hoje, meu aniversário, e como (d)escreveu
o mestre Ferreira Gullar sobre a nossa galáxia num Réveillon: “nada ali indica /
que um ano novo começa” (GULLAR, 2004, p. 190). Claro, afinal, como ele
continua: “não começa / nem no céu nem no chão / do planeta: / começa no
coração.” (idem, ibidem, p. 190). Parafraseando-o ainda, o ano se inicia com a
esperança de dias melhores, sentimento humano (ser que sonha e luta). Bom
pensamento para despertar, principalmente nesta época cheia de desafios.
Neste
ano, 2020, uma das adversidades de todos é ficar trancado em casa, por causa da
pandemia, o que é um problema, inclusive, para que eu escreva este texto, pois
para escrever “é preciso ver o mundo. Aos domingos ou nos outros dias. Ir ao
cinema, namorar, visitar amigos — essas coisas. Não se arrancam palavras do
nada: as palavras brotam de coisas e seres viventes.” (ABREU, 2015, p. 211). Obviamente,
quando o Caio Fernando Abreu escreveu essa crônica, em 1987, não havia
internet; hoje, pode-se ver filmes, conversar com amigos e até mesmo namorar
online. São oportunidades da nossa época.
Como
ninguém pode parar no tempo (porque isso é impossível, querendo ou não) e,
segundo João Cabral de Melo Neto, de toda a pontuação existente na vida, “o
homem só não aceita do homem / que use a só pontuação fatal: que use, na frase
que ele vive / o inevitável ponto final” (NETO, 2010, p. 46), posso tentar
florescer “em casa”, regado e iluminado pela arte, pelo diálogo, pelo silêncio,
pelos estudos e pelas diversas atividades possíveis, mesmo “isolado”, afinal, se
não somos mais sementes nem ovos para nascer pela primeira vez (a nós,
crescidinhos, “só” nos é permitido renascer), a gente se desenvolve por e para
dentro.
Enfim, não saí de
casa, mas este texto, que era uma semente até ontem, cresceu e pode vir a ter
frutos, tal como o meu antigo eu e o eu de agora, que estamos sonhando e nos
preparando para o amanhã, visto que “o futuro se impõe, / o passado não
aguenta” (ENGENHEIROS DO HAWAII, 1992), mesmo que o céu não diga nada. Quem diz
é meu coração.
REFERÊNCIAS
ABREU, Caio Fernando. O
melhor de Caio Fernando Abreu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
ENGENHEIROS DO HAWAII. Pose
(Anos 90). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=4Q3R0eaF07k>.
Acesso em: 19 de maio. 2020.
GULLAR, Ferreira. Melhores
poemas de Ferreira Gullar. 7 ed. São Paulo: Global, 2004.
NETO, João Cabral de Melo.
Poemas para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.