domingo, 15 de abril de 2018

Análise comparada dos contos “A aranha”, de Orígenes Lessa, e “Zoiuda”, de Luiz Vilela


Brevíssima introdução


O gênero, a Literatura comparada e os escritores: Orígenes Lessa e Luiz Vilela



O conto é um dos gêneros literários mais populares da contemporaneidade, por sua brevidade, “objetividade” (no sentido de ir direto ao ponto, sem enrolações que há, por exemplo, num romance), conflitos, imediata compreensão dos fatos (sem muito aprofundamento no passado) pelos leitores e por sua verossimilhança com a vida.

As principais características do conto são a pequena quantidade de personagens, a presença de diálogos, a cronologia do tempo/dos eventos e, principalmente, uma única célula dramática (clímax), sempre ao final. No conto, a narrativa, a dissertação, a descrição e o tempo psicológico são menos presentes.

A Literatura Comparada é um campo de pesquisa que busca, por semelhanças ou diferenças, através da interdisciplinaridade e intertextualidade, analisar duas ou mais obras, sendo elas do mesmo gênero textual ou não. Neste trabalho, procurar-se-á, brevemente, observar como dois autores, de tempos diferentes, lidam com o tema da solidão. Curiosamente, há algumas semelhanças nas duas histórias selecionadas, A aranha, de Orígenes Lessa, e Zoiuda, de Luiz Vilela.

Orígenes Lessa foi um contista, romancista, novelista, ensaísta e jornalista brasileiro. O autor, que começou sua carreira literária em 1929, entrou para a Academia Brasileira de Letras em 1981. O conto A aranha, que será analisado, está presente na antologia Para gostar de ler – Volume 10 - Contos (1991), que reúne diversos contistas, de diferentes períodos literários.

Luiz Vilela é um contista, romancista e novelista brasileiro. O conto Zoiuda, que será explorado, faz parte do livro Você verá (2013). O escritor iniciou sua vida literária com o livro Tremor de terra, em 1967, aos 24 anos, o que já lhe rendeu o Prêmio Nacional de Ficção.

É preciso ressaltar, também, que este texto analisará os dois contos apenas sob a ótica de um tema, o que é muito pouco para qualquer obra literária, que é, por natureza, plurissignificativa. 

 Análise do conto A aranha, de Orígenes Lessa

A aranha é um conto de Orígenes Lessa, presente na coleção “Para gostar de ler – volume 10 – contos” (1991). A história constrói-se em duas camadas: no presente, num corredor de um prédio, através de diálogos nos quais o narrador-personagem ouve, de forma indesejada, um evento que aconteceu num sítio, no passado, com o amigo de um dos personagens presentes no corredor, que narra o acontecido durante seus turnos da conversa.

De qualquer forma, ambas as “camadas” do conto passam-se em espaços fechados (o corredor e o sítio), ambas as narrações seguem o tempo cronológico (linear), e o foco narrativo, interessantemente, oscila entre a primeira e a terceira pessoa: há um personagem-narrador, mas este apenas ouve a história de um segundo, onde o protagonista é um terceiro...

A complexidade do conto já começa nas primeiras linhas:

— Quer assunto para um conto? — perguntou o Enéias, cercando-me no corredor.
Sorri.
— Não, obrigado.
— Mas é assunto ótimo, verdadeiro, vivido, acontecido, interessantíssimo!
— Não, não é preciso... Fica para outra vez...
— Você está com pressa?
— Muita!
— Bem, de outra vez será. Dá um conto estupendo. E com esta vantagem: aconteceu... É só florear um pouco. (LESSA, 1991, p. 16)

A história é iniciada com a oferta de outra história, que será contada logo depois. Também já é demonstrado que o protagonista-narrador não quer dialogar, não quer companhia, o que está relacionado à narrativa do amigo. 

É importante notar essa valoração do fato, da não-ficção, como se a literatura fosse uma mentira e, por isso, algo de menos valor, quando, na verdade, ela é baseada na realidade e, às vezes, por “distorcê-la” tanto, ajuda o leitor a perceber melhor o seu próprio meio. Ao mesmo tempo, a valoração do amigo pelo fato justifica a narração ser em terceira pessoa, porque ela dá um caráter objetivo à história, embora, como se pode notar, esse amigo utiliza muitos adjetivos (ótimo, verdadeiro, vivido, acontecido, interessantíssimo, estupendo), o que não é aconselhável para textos impessoais...

Pois bem, o amigo do narrador conta um caso acontecido com um de seus conhecidos, o Melo, que morava numa enorme fazenda e “Passava lá enormes temporadas, sozinho, num casarão desolador (...) um verdadeiro deserto” (idem, ibidem, p. 18). Esse colega adorava tocar violão, principalmente músicas tristes como “A madrugada que passou” e “O luar do sertão”. Como se vê, canções relacionadas ao escuro, à noite, que trazem a ideia de subjetividade e demonstram a personalidade do personagem.

Outra obra que o rapaz gostava de executar era “A tarantela”, de Listz, o que já indica e cria a “rima” para o que virá a seguir no conto: o aparecimento de uma aranha caranguejeira. Sempre que o Melo tocava violão, a aranha aparecia; quando parava, ia embora, se escondia, impossibilitando, então, a sua morte, e criando, desta forma, uma espécie de companhia para o artista.

Essas intermitências da aranha continuaram por dias e também formam outra coerência na narrativa: enquanto, no passado, no interior de um sítio, um animal fugia, ia e vinha, no presente, no corredor de um prédio, o narrador-personagem quer entrar no elevador, que sobe e desce a todo momento, mas sempre lotado, impossibilitando a sua “fuga” dos amigos.

No outro dia, Melo “estava ocupadíssimo com a colheita. Só à noite voltaria para o casarão da fazenda. Teve que almoçar com os colonos, no cafezal. Andou a cavalo o dia inteiro. E sempre pensando na aranha” (idem, ibidem, p. 20). À noite

Queria saber se “ela” voltava. Começou a tocar como quem se apresenta em público pela primeira vez. Coração batendo. Tocou. O olho na fresta. Qual não foi a alegria dele quando, quinze ou vinte minutos depois, como um viajante que avista terra, depois de uma longa viagem, percebeu que era ela... o pernão cabeludo, o vulto escuro no canto mal iluminado. (idem, ibidem, p. 20)

Nesses trechos, percebe-se o tamanho da solidão do personagem que, mesmo envolto de pessoas durante o trabalho, só pensava na aranha. O Melo chegou até a colocar um nome (que o narrador não lembra) no animal, e “desde então, não sentiu mais a solidão incrível da fazenda” (idem, ibidem, p. 21).

O personagem contou o caso para outras pessoas, que vieram ver “a aranha amiga da música. Todas as noites era aquela romaria. Amigos, empregados, o administrador, gente da cidade, todos queriam conhecer a cabeluda fã de O luar do sertão e de outras modinhas.” (idem, ibidem, p. 21). É preciso se atentar ao fato de que todos iam ver a aranha, não o Melo, nem ouvir a sua música. Se, por um lado, o tocador “humanizou” um animal através da arte, por outro, isso é resultado da “desumanização” que os semelhantes fizeram com ele, ao não lhe darem atenção. Tal como as modinhas, que passam, o interesse pelas pessoas pela aranha desapareceu, mas o sentimento de Melo por ela continuou o mesmo, na verdade, ficou até maior.

Todavia, contraditórios como os seres-humanos são, assim que o tocador recebeu uma visita de uma pessoa diferente, cheia de novidades, esqueceu-se da amiga aracnídea e tocou seu violão, a música preferida da aranha, que apareceu em poucos instantes. Sem ser avisado do comportamento da amiga admiradora de melodias, o visitante matou-a sem hesitar, para a tristeza do Melo. Clímax do conto, chega o elevador para o narrador, fim da história.

O final sombrio já é esperado ao leitor que se atenta para a quantidade de palavras relacionadas à noite e ao escuro, além do rompimento na vida do protagonista, que começa triste, passa a ser feliz e, como o gênero conto pede o drama e a situação inesperada, isto é, abrupta, sempre ao final, haveria de acontecer algo que rompesse o encanto. No outro âmbito, no presente, no corredor do prédio, depois de tantas vezes em que o elevador chegou lotado, logo após a narrativa do amigo acabar, o elevador surgiu vazio, finalizando, coerentemente, os acontecimentos passados e presentes.
  
Análise do conto Zoiuda, de Luiz Vilela

Zoiuda é um conto de Luiz Vilela, presente no livro Você verá (2014). A história ocorre em espaços fechados: num bar, numa escola e num apartamento (a maior parte da narrativa acontece aqui); o tempo é cronológico, linear; o foco da narrativa é em terceira pessoa, um narrador conta a história de um professor que se apega a uma lagartixa.

Um dia, numa sexta-feira, após voltar do bar (e isso é muito significativo), um professor depara-se com uma lagartixa; após um observar o outro por algum tempo, o homem foi dormir.

Como a ida ao bar havia apontado, o professor não tem uma vida muito interessante, pois “Na noite seguinte — de novo o bar, de novo as conversas e as bebidas, conversas e bebidas que só serviam para matar o tempo e para matar dentro dele alguma coisa que ele não sabia bem o que era, mas que sabia ser essencial” (VILELA, 2014, p. 8). Além disso, o caráter repetitivo da existência do personagem é refletido na própria linguagem do narrador, que reforça as palavras “de novo”, “conversas e bebidas” e “matar”. Essa característica da narrativa é reutilizada em outros trechos do conto.

O protagonista, que não tem nome — o que pode sugerir que seja qualquer pessoa —, observa a lagartixa e nomeia-a, isto é, humaniza-a (nas palavras do narrador: “batizando-a”): Zoiuda. Ela tem nome, ele não; é como se ela fosse mais importante do que ele. De qualquer forma, o animal torna-se muito significativo para o personagem, como pode ser observado na passagem:

Na terceira noite, domingo — o mesmo bar e os mesmos amigos e as mesmas conversas e bebidas — ele, num momento de quase convulsivo tédio (“isso mesmo”, se diria depois, “convulsivo tédio”), lembrou-se da Zoiuda, isolando-se por alguns minutos do ambiente ao redor, um leve sorriso lhe aflorando aos lábios. (idem, ibidem, p. 8).

Mesmo fora de casa, mesmo rodeado de amigos, o homem distrai-se e sorri ao lembrar da lagartixa. Ela é motivo de um sorriso, algo que, em momento algum, antes ou depois, é causado ou observado no protagonista. Ao chegar em casa e chamar pelo animal, a companheira não apareceu. “Não estava. Ficou meio decepcionado. Tinha certeza de que...” (idem, ibidem, p. 9). Qual é o tamanho da solidão deste homem?

É importante ressaltar que esse personagem “dava aulas de português para um bando de adolescentes desinteressados e distraídos” (idem, ibidem, p. 9), ou seja, é um professor, alguém relacionado à comunicação humana, à língua, mas, ao contrário do que se espera, as pessoas ao seu redor não querem e nem estão abertas ao diálogo.

Ao contar para os colegas docentes que apareceu uma lagartixa na sua casa (um fato corriqueiro, banal), ouviu o relato de um que, desde que aprendeu um veneno, na sua casa “não ficou uma, nem uma só pra contar a história” (idem, ibidem, p. 9); a outra professora tem pavor; então o protagonista achou e disse que era meio maluco, “mas nenhum dos dois estava mais prestando atenção a ele” (idem, ibidem, p. 10).

É o retrato de uma vida medíocre, abandonada, vazia. O personagem sabe disso, pois “À noite, naquela plena segunda-feira, ele não saiu, substituindo o bar pela TV — a mesmice pela idiotice, pensou” (idem, ibidem, p. 10). O homem não tem a atenção dos alunos, na escola; dos colegas docentes, na sala dos professores; nem dos amigos, no bar (que já é um lugar de “fuga” da realidade sem graça).

Não é à toa que o narrador compara o protagonista a uma criança: "‘Zoiuda!’, exclamou, com a alegria de um menino; ‘você está aí!...’" (idem, ibidem, p. 11). O que o personagem deseja é amparo. Esse encontro dos dois ocorreu quando o professor foi beber água, da mesma forma que aconteceu pela primeira vez, na sexta, à noite. A água, não se pode esquecer, é fonte de vida; o homem, ao buscá-la, sacia a sede física, mas a metafórica, a sede de companhia, também é satisfeita com a presença da lagartixa. A única coisa que o personagem quer é reciprocidade, como se observa neste trecho: “lá dentro, àquela hora, o minúsculo coração também estaria batendo um pouquinho mais forte?...” (idem, ibidem, p. 10).

Mais à frente, é explicitado:

“Zoiuda, tirando minha mãe, você é a única criatura que eu amo hoje no mundo” — Zoiuda passou a ser para ele uma... uma espécie de companhia. Afinal, num apartamento onde havia somente ele de gente e onde, por dificuldade em criá-los, não havia cachorro, gato ou passarinho, ela era uma presença, um ser vivo, a quem ele podia dirigir a palavra, embora não houvesse resposta — mas para que resposta? Não queria resposta, queria apenas falar; apenas isso.
“Né, Zoiuda?” (idem, ibidem, p. 11)

No trecho supracitado, confirma-se o motivo do narrador ter comparado o professor a um menino: a lagartixa é uma segunda mãe para ele. E como não poderia deixar de ser, por se tratar de um conto, onde o clímax está sempre no final, aliado às noites da história, o corte inesperado acontece: a Zoiuda some e o protagonista volta a sofrer, “— tinha de admitir — que aquele apartamento ficara um pouco mais vazio e aqueles fins de noite mais tristes.” (idem, ibidem, p. 11). Triste, mas coeso e bem construído.
  
Relação entre os textos e conclusão

Há diversas semelhanças entre os textos escolhidos: ambos fazem parte do gênero “conto”, foram escritos por brasileiros, possuem pequenos animais, têm seus acontecimentos mais significantes à noite e tratam da solidão de homens.

O primeiro, A aranha (1991), de Orígenes Lessa, apresenta a história de um tocador de violão que, um dia, de repente, encontrou uma aranha no interior de seu enorme sítio. O bicho, primeiramente, causou medo ao personagem, mas depois se tornou uma companhia.

O segundo, Zoiuda (2014), de Luiz Vilela, é o caso de um professor de português que, numa noite, ao voltar do bar, depara-se com uma lagartixa que, com o passar dos dias, torna-se uma espécie de companheira, de ouvinte.

Ambos os contos retratam a solidão: os dois protagonistas, indiferentemente de seus meios, seja um sítio ou um apartamento, mesmo rodeados de pessoas, tanto no trabalho quanto nas horas de lazer, sentem-se sozinhos e preferem a companhia de pequenos animais, uma aranha e uma lagartixa, bichos que causam medo na maioria das pessoas com quem dialogam.

Além disso, ambos os personagens principais estão ligados, mais do que outros indivíduos, à linguagem, por um ser professor e o outro, um músico, porém, os dois têm dificuldades em dialogar com as pessoas ao seu redor. Mais ainda: os protagonistas apenas querem ser ouvidos. Essa é a angústia dos contos e um apontamento em comum nas duas histórias: é preciso dar mais atenção aos semelhantes. Talvez, o tocador e o professor só “humanizaram” os animais, porque, em diversos momentos, foram "desumanizados". Tal como os personagens, é necessário abrir os olhos para as pequenas criaturas.  


REFERÊNCIAS

LESSA, Orígenes. A aranha. In: Para gostar de ler: volume 10 – contos. 6 ed. São Paulo: Ática, 1991.

VILELA, Luiz. Zoiuda. In: Você verá. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 2014.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Por que o termo "Cinema de Arte" pode ser tão nocivo?


O texto abaixo é de um amigo que pediu um espaço no meu blog para escrever e postar este pensamento que ele possui. As palavras, reflexões e concepções sobre o tema são inteiramente dele. Espero que gostem.

Por que o termo "Cinema de Arte" pode ser tão nocivo?

Por Luke Muniz

Antes de mais nada, queria deixar claro que este texto nada mais é que uma opinião bem particular minha e que não se trata de nenhum tipo de artigo acadêmico ou algo parecido. Não se preocupem, não o encherei com referências ou nomes bonitos - talvez um ou outro, para dar um up no texto. Em fato, redijo aqui esse pensamento motivado por nada mais nada menos que por pura stream of consciousness minha, e também lembrando de discussões sobre cinema com amigos.

Deixando claro que isso não é uma regra, estou expondo um pensamento com intuito de discutir e, assim, gerar troca de experiências e aprendizados; falar besteira é normal, e provavelmente o farei durante essas X quantidades de palavras que irei digitar por aqui. Então, vamos ser tranquilos e debater com educação, ok? Concordar é ótimo, mas discordar promove trocas etc. Vamos para o que de fato interessa.

Quando falamos de clássicos cinematográficos, sempre aparecem nomes conhecidos como: “2001: Uma Odisseia no Espaço”, “Cidadão Kane”, “Pulp Fiction”, “O Poderoso Chefão” e por aí vai, dos mais antigos até os mais contemporâneos. E não só filmes, mas também seus diretores, as mentes por trás das obras: Kubrick, Tarantino, Spielberg, Hitchcock, Scorsese e tantos outros. Tendo consciência de que essas figuras se destacam, algo eles fizeram para serem tão reconhecidos, fazendo sua arte brilhar dentre tantas e pensar além de seu tempo. Quando o assunto “clássicos” surge, eles marcaram e definiram aspectos para os seus gêneros e para o cinema como um todo, é inegável.

(Hitchcock)

Mas sempre que se trata do cinema autoral (sim, eu prefiro esse termo, de longe) surge a aura maldita do termo “Cinema de arte”. Essa “taxonomia” é carregada e extremamente pedante, além de que, trata-se de uma segregação que não faz o menor sentido, tanto na prática, como conceitualmente falando. Em toda ocasião, quando o termo surgia, eu sentia uma cerca enorme ser criada, eu mesmo já falava disso quando queria me referir uma obra mais cult, e antes de mencionar, sempre deixava claro meu desprezo por essa taxação.

Arte sf 1. Capacidade de expressar uma ideia, empregando algum material que possa ser trabalhado – a arte de um pintor. 2. Prática de atividade que depende da inteligência e da habilidade - a arte de um médico/a arte de um pedreiro.
Geraldo Mattos – Dicionário JÚNIOR da língua portuguesa.

Vamos por conceito: Não sei vocês, mas o Dicionário Júnior  já me deixou bem claro que qualquer coisa que você empregar um valor artístico, dentro dos conceitos que aquela obra em específico abrange, será arte. Claro que ela, por si só, é extremamente subjetiva, do  modo de criação até o de apreciação, mas existem moldes de avaliação, como, já cito,  o do cinema, que observa fotografia, roteiro, atuação, direção etc. Esses são os aspectos técnicos que compõem qualquer obra cinematográfica. Assim como a música, que  tem que ter melodia, ritmo, voz (ou não, no caso das instrumentais). Descartando qualquer valor de qualidade, de bom ou ruim, se um produto segue as “normas” do seu segmento artístico específico, ELE  É ARTE.

O conceito de cinema de arte é um tanto vago, tanto quanto a sua história. É, todavia, do conhecimento geral que o termo se refere a obras apreciadas pelo seu valor artístico e não como passatempo lucrativo, a filmes que sobrevivem à avassaladora maré das produções de Hollywood, ao “mainstream”, ao cinema industrial cujo objetivo é o lucro. É, na sua essência, um cinema que se preocupa com a condição humana e a aborda numa perspectiva ética, que não é descartável da estética, tanto em criações de baixo orçamento (low budget films) ou de nenhum orçamento (no budget film) como em projetos de elevado custo de produção.”
Fonte: Wikipédia

Há quem ache que justificar algo dizendo que é a “Proposta” possa soar preguiçoso ou algo semelhante. Concordo, mas há casos e casos. Ressaltando o conceito que atribuem ao termo “Cinema de Arte”, podemos perceber que,  com apenas uma pesquisa rápida, reitera-se  o fator “segregação”. O cinema dito “lucrativo” e de “passatempo”, os famosos blockbusters, não se limita  a só isso. Não irei longe para citar um exemplo que de cara quebra todo esse paradigma insolente.

Dirigido por Ryan Coogler, em 2018 chegou aos cinemas o maravilhoso e importantíssimo “Pantera Negra”. Se você possui alguma rede social, deve ter visto centenas de publicações ao redor do mundo com a comoção do filme e pela representatividade que este carrega consigo. Lembrando: Um filme blockbuster. Mas destaco aqui o valor deste filme - que dizem não ser arte... Faça-me o favor!  -quando li uma notícia que circulou em vários veículos, de um garoto de 15 anos que resolveu voltar a estudar por conta de ter assistido e se inspirado no protagonista T’Challa. É um caso lindo, e deixo aqui um link para saber mais: https://omelete.com.br/filmes/noticia/pantera-negra-adolescente-decide-voltar-a-estudar-apos-assistir-ao-filme/

(Pantera Negra, de 2018)

O valor que isso tem é inestimável. O efeito que a obra causou na vida dessa pessoa já vale mais que os orçamentos exacerbados de filmes que “não são arte”. E ressalto, de novo, um “blockbuster”. Ano passado, tivemos “Mulher Maravilha”, dirigida por Patty Jenkins, outro grande marco no cinema que “não é de arte”, por sua representatividade feminina e por seu simbolismo.

Eu disse que não iria mais longe, mas tenho de ir. O que seriam dos conceitos de amizade que reverberam na memória de muitos se não fossem as aventuras dos anos 80? A escola Spielberg de produção, de garotos e garotas numa aventura contra o mal e descobrindo que a união faz a força e que a segregação só enfraquece. Filmes de apenas “entretenimento barato”. Entretenimento barato existe? Claro que sim, é óbvio. Abra qualquer filme do Adam Sandler. E até o Adam Sandler consegue arrancar uma mensagem bastante interessante, “Click” está aí para provar isso.

O recente programa (2016), feito pela TV Quase e exibido no canal do Omelete, “Choque de Cultura”, ganhou um público gigante de fãs e não-fãs de cinema. São motoristas de transporte alternativo, que se juntam em um estúdio e discutem obras cinematográficas, desde a mais cult até a mais “não cinema de arte”. Os personagens, Rogerinho do Ingá, Renan, Maurílio e Julinho, tratam das obras diante das perspectivas de suas vidas  e de quem eles são. Logicamente, algumas posições tendem aos exageros, mas isso ocorre  para efeito cômico, que é o viés principal do programa.
  


Entretanto, dentro do tema que abordo aqui, "Choque de Cultura" é uma metalinguagem disso tudo, pois são pessoas que não são cults, mas que assistem a filmes assim, e os tratam, na hora de avaliar, da mesma maneira dos que "não são arte". E eles não motoristas de van, cinéfilos, consegue entender? Não conseguimos imaginar um motorista de van que seja cinéfilo, mas quem disse que não pode existir? E só pelo fato de já estar assistindo a filmes e discutindo sobre eles, já é maravilhoso.

Todo filme é arte. Bom ou ruim. É arte. Entender isso é fundamental. Gosta de filmes? É cinéfilo? Tenho certeza que, mesmo que não o seja, já deve ter visto algum filme que deixou alguma mensagem marcada (e uma que seja positiva). Nenhuma delas, estou certo disso, era sobre separar.

Não é só um termo para definir filmes com assinatura própria, se for por isso, existem nomes melhores para tal, como, por exemplo: “Filme com diretor de assinatura”. Olhe  aí, que beleza de nome. Não segrega, não é nocivo, mas agrega. É essa mensagem que a arte e o cinema espalham em muitas de suas obras: União. Da comédia romântica mais boba até uma Magnum opus de Scorsese. Em suma, sempre é algo voltado para o ser humano; alguns, em níveis mais aprofundados; outros, melhores discutidos, alguns, nem tanto, mas a intenção é a mesma. Cinema é Cinema. Cinema é arte.
--

Para contatar Luke Muniz, acesse o perfil dele no Facebook.