sexta-feira, 19 de maio de 2017

Ciclos

Nós, seres humanos, gostamos da ideia de ciclos. Criamo-los. Marcamos datas de início e de fim. Com elas, podemos refletir sobre o que fomos, o que somos, o que queremos e o que podemos ser. Claro, a cada desejo, mais sofrimento enquanto não o realizamos (base schopenhauriana).

Por falar no rapaz, lembrei deste trecho, que um dia eu quis escrever algo semelhante, mas quando descobri que já havia sido escrito e de forma melhor do que a que eu faria, desisti — não gosto muito de paráfrases, uso logo citações:

Cada dia é uma vida em miniatura, onde todo despertar é um pequeno nascimento, cada manhã fresca é uma pequena juventude e cada adormecer na noite é uma pequena morte. Para completar a analogia, poderíamos considerar o desconforto e a dificuldade de despertar como as dores do parto. (SCHOPENHAUER, s/d, p. 66)

(Fantástico! Fantástico!)

É que hoje fiz aniversário, por isso me lembrei desse fragmento. Recebi alguns parabéns verdadeiros, outros nem tanto. Mas sempre pensei que deveríamos dar mais atenção aos pequenos ciclos, àqueles do dia-a-dia, não somente aos anuais. Afinal, cada dia é um nascimento novo. Obviamente, a cada renascer, sofremos no início (às vezes, durante outras horas e momentos também). Condição da vida.

Digo isso porque desejos utópicos me incomodam um pouco. Não há apenas bons momentos na existência. Se desejarmos mais um ano de vida a alguém, obrigatoriamente, desejamos más situações também. É através da superação dessas adversidades que crescemos e melhoramos.

Acho engraçado, a cada ano que passa, alguém nos diz que ficamos mais velhos. Errado. Ficamos mais novos! Onde é que entra o Heráclito de Éfeso na história? Que eu saiba, ele não foi esquecido. O homem que se banha num rio não é o mesmo homem de antes, e o rio também não é o mesmo. O que é velho fica para trás. Só permanece o novo.

Há aspectos e ideias (preconceitos e utopias) minhas que deixei no passado. Aí, sim, é algo velho. Há objetos e sentimentos meus que carrego desde criança, estes são antigos. Velho é algo ultrapassado e inútil; o antigo ainda é e pode ser usado. Por exemplo, estou usando textos de Heráclito, que viveu há mais de 500 anos antes de Cristo, e de Schopenhauer, que viveu no século XIX.

Então, para que não mais consideremos os aniversariantes como velhos e para terminar este ciclo chamado “texto”, trago uma citação de um escritor mais moderno:

(...) é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando...
(...) Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente não nasce pronta, e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente. (CORTELLA, 2016, p. 13-14)

Sou o mais novo eu possível.
//

P.S.: Ah, é verdade, já ia esquecendo! Eu mesmo me perguntei qual seria o melhor presente a se ganhar e respondi em forma de poema, resposta subjetiva, crença e desejo meu...

Qual o melhor presente?
É ter alguém presente,
Não num dia somente,
Mas daqui para frente,
Do agora para o sempre
(mesmo que internamente)...

Referências


CORTELLA, Mario Sergio. Não nascemos prontos! In: Não nascemos prontos!: Provocações filosóficas. 19. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.


SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria da vida. Disponível em: <http://imagomundi.com.br/filo/schopenhauer_aforismos.pdf> Acesso em: 19. maio. 2017.

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