segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Tentei, tento e tentarei

Quando eu era criança, não havia esta facilidade de conhecer novas músicas e artistas como há hoje, através da internet, e muito do que nós, menores, ouvíamos, era por influência dos nossos pais, para o bem ou para o mal. Felizmente, o meu caso foi o primeiro, o benéfico.

Lembro-me de quando era pequeno e ouvia músicas que eu não entendia, de diversos artistas (Zé Ramalho, Zé Geraldo, Titãs, Engenheiros do Hawaii, Paralamas do Sucesso, Roberto Carlos, Luiz Gonzaga, Fagner etc.), tanto por causa da pronúncia rápida dos intérpretes, quanto pelas metáforas utilizadas nas letras; todavia, ainda assim, sentia-me atraído por elas. O cantor que eu mais gostava era o Raul Seixas; não o compreendia, mas tentava.

Aqui, em casa, havia uma coletânea com vários sucessos do Maluco Beleza, eu escutava-a todos os dias e gostava principalmente de uma canção de melodia triste, mas que, curiosamente, me deixava alegre e esperançoso: Tente outra vez. Diferente das outras letras, essa era simples, eu conseguia entender quase tudo, o que era mais do que “apenas” sentir e seguir o ritmo, embora este e a parte escrita, juntos, motivassem-me a andar (sempre para frente).

Um pouco mais velho, quando eu tinha 12 anos, na sexta série, uma professora, substituta, trouxe uma atividade diferente: no aparelho de som, com um CD (algo que muita gente que nasceu agora desconhece), músicas seriam executadas, e a educadora queria que nós nos movimentássemos conforme o sentimento que surgisse.

Sinceramente, não me lembro das outras canções, apenas tenho vagas lembranças de que algumas eram dançantes, porém, recordo (e este verbo é importante, porque, etimologicamente, ele significa “passar de novo pelo coração”) claramente de que ela, Tente outra vez, foi tocada. Surpreso, feliz, senti-me reconhecido naquele espaço.

Eu sabia que os meus amigos não gostavam do Raulzito, mas durante a execução da música, eles se moveram lentamente pela sala, com os braços abertos, de certa forma, sem sentido, somente porque a professora havia pedido movimentos. Enquanto isso, continuei quieto, apenas ouvindo. Ninguém perguntou o motivo de eu ter ficado parado, mas eu conto aqui, agora: nunca gostei de dançar, sempre acreditei que há canções que não pedem “coreografias”, que a agitação necessária deve ser interna, na mente; e se, na ocasião, eu tivesse sido verdadeiro, teria chorado, porque é o que desejo fazer sempre que ouço tal obra.

Depois, fui até a mestra e perguntei: “Professora, ‘Levante esta mão sedenta e recomece a andar’. ‘Sedenta’ de quê?”, ao que me foi respondido algo que jamais esqueci: “De vitórias”. Esta imagem nunca saiu da minha mente: um punho fechado, pronto para as batalhas da vida; uma forte mão que deseja vencer, que nunca desiste, que sempre tenta outra vez; com ela, termino de escrever estas memórias.
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