sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Breve análise do conto "Cabelos compridos", de Monteiro Lobato


Monteiro Lobato foi um renomado escritor brasileiro, inovador na forma de tratar alguns assuntos, crítico de tabus e problemas da sociedade da época, prosador racionalista e progressista, que olhava para diferentes regiões nacionais e temas sociais, porém, em razão do caráter moralista e didático de suas obras, não pôde ser considerado completamente “modernista” (e nem ele queria sê-lo), apenas “pré-modernista”.

Ora, o Pré-Modernismo é caracterizado por questionar-se mais profundamente sobre o que é, de fato, o brasileiro. Lima Barreto e Euclides da Cunha, por exemplo, mostraram aspectos e tipos de pessoas que os leitores não conheciam, como os negros ou os pobres nordestinos, ou conheciam de forma deturpada (como os sertanejos e os índios idealizados de José de Alencar). Porém, esses escritores também não podem ser considerados “modernistas”, faltava algo a eles: romper com a forma tradicional da escrita realista, ação que só a geração posterior fez.

Como é característica de Monteiro Lobato, suas histórias possuem personagens cômicos, até mesmo ridículos, como acontece no conto Cabelos compridos. A narrativa traz a história de Das Dores, uma mulher que “É feia, desengonçada, é inelegante, é magérrima, não tem seios, nem cadeiras, nem nenhuma rotundidade posterior; é pobre de bens e de espírito”, mas é uma pessoa “boazinha”. A única coisa que a personagem tem mais do que as outras é “cabelo”. O narrador chega até a citar uma frase de Schopenhauer: “Cabelos compridos, ideias curtas”. Essa citação, argumento de autoridade, em tom de piada, demonstra a racionalidade e o humor de Monteiro Lobato, mas que também são características do pré-modernismo.

Além disso, a personagem, Das Dores (e este nome já é significativo), é pobre, uma das classes investigadas pelos pré-modernistas, e representa grande parte da população brasileira, que “só faz tudo que outras fazem e por que as outras o fazem”. É o retrato do povo simples, inculto, que não reflete sobre os próprios atos e, por isso, apenas repete as ações, que se tornam costumes e tradições (muitas, ruins).

É nisto que se concentra o enredo do conto: a protagonista, um dia, vai à missa, e o cônego, dentre tantas coisas que diz e que não são entendidas pelo público — o que já é uma crítica à forma de tratamento e  ao discurso (que, por muito tempo, aliás, era feito em latim!) dos padres —, fala que deve-se refletir sobre cada palavra das orações cotidianas, pois se não o fizesse, seriam palavras em vão. Das Dores, a partir daí, fica pensativa.

Abismada, a protagonista foi falar sobre o assunto com uma tia, que “mastigou em ‘pois é’ que dava toda razão ao padre”. Trecho significativo do conto, porque indica duas ocasiões: a primeira, que Das Dores realmente estava refletindo sobre as palavras do cônego; a segunda, que sua tia não estava dando devida atenção às palavras da sobrinha e muito menos às do padre. Situação dialética.

Característica da maioria dos contos, o tempo segue cronologicamente, portanto, chega a noite, hora de a personagem rezar, coisa que sempre fez, mas agora ela refletiria sobre cada palavra. O espaço, fechado, o que dá mais tensão, é o quarto, somado à noite que, como se sabe, é um momento onde aguçam-se as subjetividades, o que acaba causando conflitos em Das Dores, porque ao pensar numa palavra, associa-a a pessoas, a lugares etc., não conseguindo terminar a oração e concluindo, equivocadamente, justamente por sua ignorância, que o cônego é quem está errado. É o fim do drama do personagem, como pede o gênero conto, sempre ao final.

A narrativa enquadra-se no Pré-modernismo por trazer essa personagem, mulher, feia, desengonçada, pobre, inculta, em suma, marginalizada, para a discussão, para a literatura, pois, antes, pessoas assim eram ignoradas pelo mundo das letras, como se não existissem; além, também, do estilo do conto não romper nenhuma convenção formal.

Monteiro Lobato, satírico e, ao mesmo tempo, com vontade de melhorar progressivamente o país, apontou para essas existências e para outros problemas pragmáticos. O cônego que fala somente para si, já que muita gente não o entendia, com aquela retórica toda, é outro obstáculo: o da comunicação e acessibilidade à linguagem. A tia de Das Dores, Vicência, “velha sabidíssima em mezinhas e teologias”, pode representar conhecedores de religiosidades não-cristãs, que não eram nem mencionados por muitos.

Enfim, o conto é curioso e chega a ser engraçado, em razão das descrições feitas pelo narrador, mas funciona e passa sua mensagem principal, mesmo que ao avesso: é por levar as palavras ao pé da letra, por sua ingenuidade e sua ignorância, que Das Dores não compreende o padre e pensa que ele pode estar errado: “pela primeira vez na vida duvidou”. Ao mesmo tempo, a história demonstra a dificuldade de parte da população, simples e pobre, para com a linguagem.

REFERÊNCIAS

LOBATO, Monteiro. Cabelos compridos. Disponível em: <https://tessellatedhearts.wordpress.com/2012/02/20/cabelos-compridos-monteiro-lobato/>. Acesso em: 14 set. 2018

Um comentário:

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