sábado, 19 de maio de 2018

Dos cultivos


Há uma história na internet de que, uma vez, alguém perguntou para um velho sábio quantos anos ele tinha, ao que o mestre respondeu:

“Oito ou dez. Tenho, na verdade, os anos que me restam, porque os já vividos não tenho mais.” — algo assim.

Embora não haja um autor definido, atribuem essa fala ao pensador Galileu Galilei. Sei que todos podem se equivocar ou julgar se algo é correto ou não, mas espero que a frase não seja dele. A resposta do sábio pode parecer lógica, mas não o é.

Não perdemos os anos vividos, pelo contrário, estão sempre conosco: adquirimo-los, guardamo-los, ampliamo-nos com eles, usamo-los quando aplicamos o que aprendemos ao longo do tempo. Como é dito na música Além da máscara, do projeto Poucal Vogal, do Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii): “Não há tempo perdido, não há tempo a perder”. Seria mais bonito e poético, para mim, se o sábio tivesse respondido que não sabia a própria idade, que o que ele tinha era a dúvida...

Sou da opinião de que “Cada dia que passa / eu fico mais jovem” (TRINDADE, 2011, p. 57), como escrevi no ano passado (embora, na época, ainda não conhecesse esses versos, nem esse nosso poeta); concordo com o fotógrafo Jacob Riis (apud CORTELLA, 2015, p. 69): “‘(...) olho o cortador de pedras martelando sua rocha talvez cem vezes sem que uma só rachadura apareça. No entanto, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi aquela que conseguiu, mas todas as que vieram antes’”. Como pode alguém acreditar que não tem os anos passados, mas os futuros? Do amanhã só temos ideias, incertezas e planos — o que já é muito bom e importante.

Fiz aniversário hoje e não consigo concordar com a lição do antigo homem, nem sou capaz de discordar do meu mestre pessoal e espiritual, Mario Quintana, que diz que “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente...” (QUINTANA, 2003, p. 64). Aliás, o mesmo poeta tem um texto, no mesmo livro, chamado “Pensamento para o teu aniversário”, no qual ensina: “Nem todos podem estar na flor da idade, é claro! Mas cada um está na flor da sua idade...” (idem, ibidem, p. 78).

Cito-o, porque fazer aniversário também é conhecido como “completar primavera”, que é conhecida como a estação das flores, que, por sua vez, são sinônimas de beleza. É preciso ver a vida, os anos, os dias, quaisquer que sejam, com mais atenção. Se não temos as grandes e melhores características dessa estação do ano, mas, por outro lado, temos a marca da passagem, que saibamos (ou lembremos), então, de que um buquê é formado por várias flores, e estas têm sementes ou podem servir como mudas, e esse produto final, de beleza singular, possui uma história que foi cultivada há anos...

REFERÊNCIAS

CORTELLA, Mario Sérgio. Não nascemos prontos!: Provocações filosóficas. 19 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

POUCA VOGAL: Gessinger + Leindecker. Além da máscara. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8HEzQQ5FAA0>. Acesso em: 19 maio. 2018.

QUINTANA, Mario. Caderno H. 9 ed. São Paulo: Globo, 2003.

TRINDADE, Solano. Poemas antológicos. 2 ed. São Paulo: Nova Alexandria, 2011. (Coleção Obras antológicas)

sexta-feira, 18 de maio de 2018

O jogo

Encontrei, nos meus arquivos, este "antigo" texto, de um ano atrás, e resolvi publicá-lo, embora esteja datado:

A mão global, que havia capturado a peça dilmãe, substituiu-a por um cara que se achava aristocrata só por ser velho e parecer o Conde Drácula. Porém, peças são peças e podem ser retiradas do tabuleiro.
Em outro quadrado (e em outro parágrafo), um componente da mão global começa a ser retirado do campo. É (quer dizer, "foi") o aecinho. Esse é impiedoso, não tem dó. Não captura: manda matar.
No entanto, é possível que ele continue recebendo privilégios — mesmo fora do campo —, já que uma outra peça, a de alcunha cunha, recebe para ficar em silêncio.
Esse último, como se sabe, foi um dos responsáveis pela retirada da dilmãe (embora ele tenha sido só uma marionete da mão global).
Ainda há alguns integrantes no tabuleiro, nas chamadas "side quests": de um lado, o juiz sem juízo, morinho (que lembra "marinho"); de outro, o cara que tem um dedo a menos (e que a mão global teme e sempre temeu); e aos arredores, alguns menores de nomes (alguns são até invisíveis!), mas metidos nas irregularidades. Afinal, embora as regras existam, ninguém as vê. Idem para as irregularidades.
O povo assiste ao jogo da mão global contra não-sei-quem (posto que há muitas mudanças rápidas: uma hora quem assume o lado oposto é o estado, outra hora são outras empresas, outra hora são cidadãos comuns que se cansam de esperar a jogada e tentam invadir o tabuleiro etc), sem saber que telespectadores são peões.
Engraçado é ver a mão global abrindo a boquinha (na mão, mesmo, estilo Deidara) para revelar secrets-secrets de suas peças, que fizeram parte de sua estratégia, passando-se, assim, como sincera e heroína (quem deve gostar de heroína é a sua peça aecinho). Faz parte da nova estratégia. Sacrifícios são feitos em jogos.
Qual será a próxima invocação? Sei lá, não sou jogador. Sou um mal relatador (à infeliz espera de delatores). A vontade é de fechar todo mundo dentro da caixa do xadrez, mas não sou o dono do brinquedo.