Isshuukan Friends, também conhecido como One week friends,
é um anime de 2014, baseado no mangá homônimo que foi publicado entre 2012 e
2015, de Matcha Hazuki. A animação ficou ao cargo do estúdio Brain’s Base,
responsável pelos relativamente conhecidos Rin-ne (de Rumiko Takahashi,
criadora de Ranma ½ e InuYasha), Durarara e Bacanno!
(ambos de Ryohgo Narita).
A história dura apenas 12 episódios e é muito bonita
e relativamente simples, mas pode produzir reflexões interessantes. Em resumo,
um menino, Hase, deseja ser amigo da menina mais quieta e reservada da sala,
Fujimiya, e depois de muita insistência, descobre que o motivo de ela ser
assim, afastada, é porque toda semana ela perde a memória dos amigos,
lembrando-se apenas dos familiares e de questões que não envolvem pessoas, como
o conteúdo das lições, os caminhos, as vontades, os gostos etc. Mesmo assim,
toda segunda-feira, Hase pede para ser amigo de Fujimiya novamente.
Essa situação, pedir a amizade de alguém, é
ambivalente, pois, de um lado, mostra a ingenuidade dos envolvidos, como se
fossem crianças, o que, pelo design escolhido na obra, é o que eles
aparentam ser, desenhados bem bonitinhos, com as bochechas coradas etc. Quando
se é pequeno, é verossímil que uma pessoa peça para ser amiga da outra, mas,
por outro lado, os personagens de Isshuukan Friends estão no ensino
médio, são adolescentes, mesmo que, pelos traços e até pelas personalidades,
não pareçam. Todavia, por causa do problema da menina que perde a memória toda
semana, o anime mostra que amizade não se ganha, pelo contrário, se constrói
dia após dia, o que combina com a estrutura episódica da obra.
Para evitar o infortúnio da amiga, o protagonista
sugere que ela escreva as experiências cotidianas num diário, o que é uma boa
ideia, pois, como se sabe, alguém sem memória, sem história, é, também, sem identidade.
No entanto, isso levanta um questionamento psicológico: como toda relação
humana, há certo egoísmo envolvido (não se pode esquecer que “ego”, em latim, significa
“eu”), porque, no fundo, mesmo que quem sofra mais seja a Fujimiya, é o Hase
que não quer ser esquecido... Episódios mais à frente, com outras palavras,
essa dúvida é levantada: você realmente se esforça tanto por mim, ou por você
mesmo? Todo contato tem atrito...
Outra indagação que o espectador pode fazer e que também é realizada no
anime é que há uma diferença entre a realidade objetiva do mundo e a subjetiva
de Fujimiya: mesmo que ela escreva para não se esquecer das suas experiências,
ao ler sobre elas e desejar crer naquilo, acreditaria em qualquer coisa que
estivesse escrita, mesmo que modificada, por exemplo. Ou mesmo em outra
ocasião, veja, se ela lê que tem um amigo chamado Hase e um menino chegasse
falando com ela, a menina poderia pensar que é o seu colega (há episódios em
que ela chega ao colégio, na segunda-feira, e pergunta: “Você é o Hase-kun?”), mas
se fosse alguém mal-intencionado, conseguiria criar confusões e problemas entre
eles. De qualquer forma, são apenas possibilidades que não acontecem na obra.
A direção do anime é eficiente e consegue conciliar bem conteúdo e
forma, demonstrando os sentimentos dos personagens através do clima do momento,
das cores ou por meio do enquadramento da tela. Então, por exemplo, enquanto
querem revelar seus anseios, mas vivenciam dúvidas interiores, vão à praia e
está chovendo, isto é, um tempo instável, além de estarem na presença do mar,
que vai e volta, que é o movimento da vontade subjetiva deles. Não à toa, no
fim desse episódio, uma pessoa relacionada ao passado de Fujimiya, tal como uma
onda ou maré, retorna. Outro momento é quando a menina ainda não confiava no
Hase e os seus encontros, na tela, eram sempre marcados por algo, no fundo, que
os separava, como uma grade ou uma barra de ferro.
Uma dificuldade que os animes curtos têm, principalmente os do gênero “Slice
of life”, como é o caso de Isshuukan Friends, é desenvolver os
personagens, já que a história é curta e cada episódio tem seu próprio
conflito, com início, meio e fim. Além dos já mencionados Hase e Fujimiya, o
anime trabalha com outras três figuras: Kiryu, que é amigo do Hase; Yamagishi,
que é uma menina que sempre quis ser colega da protagonista e que, curiosamente,
gosta de Kiryu e também é esquecida das coisas (mas só de fazer a lição,
lembrar do nome dos colegas de classe etc.); e Kujo, que era um amigo de Fujimiya
do passado e parte do motivo de ela ter perdido as memórias.
Como se não bastasse a coincidência deste último personagem retornar
para Tóquio, para a mesma escola que sua antiga melhor amiga está estudando, no
mesmo horário que ela, de cair na mesma sala, de o único lugar vazio ser ao
lado dela, Kiryu, por outro lado, também estudou com Yamagishi no ensino
fundamental (embora esta não lembre) e mesmo que ele não demonstre suas emoções
— típico personagem que é bom em tudo o que faz sem precisar se esforçar — já
no passado, ajudava Yamagishi sem que ela soubesse... Por quê? Para quê? Eles
nunca haviam trocado palavras e se dependesse dos dois, nunca trocariam, já que
uma é extremamente tímida e o outro é quase totalmente indiferente a tudo e a todos.
Ainda assim, esses são problemas pequenos que não afetam a beleza da
obra, nem desmerecem as sutis reflexões que ela proporciona, às vezes, sobre
questões bobas que acontecem nas melhores amizades, como quando Hase apresenta
seu amigo Kiryu para Fujimiya e ela se dá muito bem com ele, embora, no começo,
não o considere um amigo e, por isso mesmo, na outra semana, lembre-se dele,
mas não de Hase que, irracionalmente, sente ciúmes, como amigos que têm esse
sentimento quando veem que seu/sua parceiro (a) agora é companheiro (a) de
outro (a) colega seu/sua. Bobo, mas normal e verossímil.
O pensamento do protagonista sobre o fato da amiga perder a memória
também vale para a vida de qualquer um: o passado é importante, claro, mas se
você não consegue lembrar do ontem, viva o hoje, o amanhã, o depois de amanhã,
hoje, amanhã e depois de amanhã; crie novas vivências que poderão ser
lembradas, se não por você, então, por outros. Diz-se que, no grego antigo, os
verbos “morrer” e “esquecer” têm semelhança, daí a preocupação em querer ser
lembrado... Carlos Drummond de Andrade possui um poema onde diz que “eterno é
tudo aquilo que vive uma fração de segundo / mas com tamanha intensidade que se
petrifica e nenhuma força o resgata (DRUMMOND, 2010, p. 301)”. Essa é uma lição
que todos sabem, mas que não deveria ser esquecida...
Todavia, há experiências que não apenas são abandonadas
involuntariamente, quanto devem sê-lo, que o próprio corpo se encarrega de
fazê-lo. Fujimiya não nasceu com o problema que ela tem, mas o adquiriu após
uma série de eventos que ocasionaram um acidente que, por sua vez, gerou um
trauma. A menina passa mal quando surge o Kujo e tenta lembrá-la do seu passado.
Não é bom recordar de certas coisas (o sentido etimológico da palavra
“recordar” é “passar de novo pelo coração”), e nem é necessário fazê-lo:
quantas informações o cérebro capta durante o dia todo, num centro urbano?
Agora, para quê lembrar de tudo o que foi visto ou ouvido? Além de ser
impossível, é desnecessário, e a máquina do corpo humano sabe disso.
Em suma, Isshuukan Friends é um anime bom, leve e muito bonito,
sobre amizade e lembranças e, portanto, sobre parte da vida. O design
dos personagens ajuda a deixar tudo mais belo e até “inocente” e fofo, o que não
condiz com a idade deles; a direção é bem trabalhada; a história termina bem,
mas não cobre todo o mangá, então ainda ficam algumas pontas soltas, mas nada
que interfira muito no produto final. Por ser curto, pode-se assistir ao anime
em um ou poucos dias mais — e vale a pena vê-lo. Quer dizer, é memorável.
REFERÊNCIAS