God Is
Dead? É um single da banda Black Sabbath, lançada no álbum 13, em 2013. A
letra, como já mostra o título, fala sobre religião e possui influência direta
do filósofo Nietzsche (a capa é uma paródia de sua pessoa, e o título é uma
questão à sua famosa afirmação “Deus está morto”). Eis a tradução:
Deus está morto?
Perdido na escuridão
Eu me afasto da luz
Tenho fé que meu pai, meu irmão, meu criador e salvador
Me ajudarão a percorrer pela noite
Sangue em minha consciência
E assassinato na mente
Fora da escuridão, eu levanto do meu túmulo a um destino
iminente
Agora meu corpo é meu santuário.
O sangue corre livremente
A chuva torna-se vermelha
Me dê o vinho,
Fique com o pão
As vozes ecoam em minha cabeça
Deus está vivo ou Deus está morto?
Deus está morto?
Rios de maldade correm por terras mortas
Nadando em tristeza
Eles matam, roubam e pegam emprestado
Não há amanhã para os pecadores que serão punidos
Das cinzas às cinzas, não é possível desenterrar uma alma
Em quem você confia quando a corrupção, luxúria e crença
dos injustos
Te deixam vazio e imoral?
Quando este pesadelo acabará? Me diga
Quando poderei esvaziar minha cabeça?
Alguém me dirá a resposta?
Deus realmente está morto?
Deus realmente está morto?
Para defender minha filosofia até meu último suspiro
Eu transfiro da realidade uma morte em vida
Eu simpatizo com os inimigos até certo momento
Com Deus e satanás ao meu lado
Da escuridão surgirá a luz.
Eu vejo a chuva se tornar vermelha
Me dê mais vinho,
Eu não preciso de pão.
Esses enigmas que vivem em minha cabeça
Eu não acredito que Deus está morto
Deus está morto.
Não tem para onde correr,
Não tem lugar para se esconder
Me pergunto se vamos nos encontrar do outro lado
Você acredita em alguma palavra que a Bíblia diz?
Ou isto é apenas um conto de fadas sagrado e Deus está
morto?
Deus está morto
É isso
Mas ainda há vozes em minha cabeça dizendo que Deus está
morto
O sangue escorre
A chuva se torna vermelha
Eu não acredito que Deus está morto
Deus está morto, Deus está morto, Deus está morto.
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Análise do conteúdo
Percebe-se então um eu-lírico indeciso, o próprio título
da música já é uma dúvida. Dúvida esta que, se percebermos, é somente uma
“tentativa” do autor em fingir uma dúvida. É interessante ouvirmos as
alternâncias do ritmo e “peso” da música, pois isso mostra a inconstância do
eu-lírico e seus pensamentos. Vejamos.
Com um ritmo lento e sombrio, vamos lendo a descrição do
local e crenças do eu-lírico. Ele diz estar perdido e em uma escuridão, que
pode ser a situação ruim/caótica/descrente do mundo atual; mas que possui fé em
que será ajudado a percorrer essa “fase”. Começa-se aí a complexidade da letra,
pois mesmo possuindo fé, ele tem consciência dos problemas do mundo: “sangue em
minha consciência/ e assassinato na mente (...)/ eu levanto do meu túmulo a um
destino iminente/ Agora meu corpo é meu santuário”.
O sangue e assassinato mostram os crimes que acontecem em
nome das crenças, em nome de Deus; e ao dizer que o corpo é o novo santuário,
inicia-se as influências de Nietzsche. Pois para ele, não deve-se contemplar algo
transcendente, mas a si, a esse mundo mesmo.
Neste ponto a música ganha um pouco de “peso” das
guitarras e volta novamente ao tema do sangue/assassinatos/crimes que acontecem
no mundo; o eu-lírico pede vinho e oferece pão. Aqui tem-se uma referência à
Bíblia e mostra-se o sarcasmo da letra (e de seu autor), pois sabendo da
crueldade do mundo e corrupção da religião, ao pedir o vinho é o mesmo que
pedir para continuar na ilusão (ou viver uma), posto que o vinho tem efeito
embriagador. Assim como o próprio Nietzsche diz: “Os povos só são tão enganados porque procuram sempre um enganador,
isto é, um vinho excitante para seus sentidos. Contanto que possam obter esse
vinho, contentam-se com o pão de má qualidade (...)” (“Embriaguez e
nutrição” – Aurora). E para ressaltar a confusão/dualidade desse eu-lírico, ele
diz que vozes ecoam em sua cabeça, questionando-se se Deus está vivo ou morto.
Uma das frases mais marcantes do filósofo Nietzsche é a
afirmação de que “Deus está morto”, frase esta que às vezes é mal interpretada.
Com essa afirmação, Nietzsche não está pregando o ateísmo, nem pregando a morte
literal de Deus, mas constatando o fato de que as pessoas não são mais tão
crédulas como eram antigamente (tal qual o eu-lírico da letra da música), é a
perca da religiosidade do ser, é a troca do teocentrismo do homem medieval para
o antropocentrismo da modernidade, é a afirmação de que o ser humano não precisa mais de Deus (como desculpa e motivo de tudo) para avançar e evoluir. Sendo assim, seguir uma religião sem
religiosidade seria hipocrisia (assim como o eu-lírico fala dos assassinatos e
do sangue das mortes).
Em seguida a música acalma-se novamente e é feita a
descrição da maldade no mundo, rios de maldade, terras mortas (locais sem vida,
sem felicidade) e que todos nadam em tristeza, que todos fazem o que querem,
matam, roubam, etc., diz que as pessoas vivem como se não existisse amanhã, ou talvez,
que para os que vivem assim, não haverá amanhã, não haverá vida após a morte (no
céu/paraíso), pois estes pecadores serão punidos. Então vem o “lado ruim” do
eu-lírico e diz que das cinzas viemos e às cinzas voltaremos (assim dizendo que
não há amanhã mesmo, aqui acaba-se tudo), é impossível desenterrar uma alma, em
quem confiar quando o mundo ao nosso redor nos corrompe, nos deixam imorais?
Então o “lado bom” retorna e pergunta quando é que esse
pesadelo acabará, quando poderá esvaziar sua cabeça, quem poderá responder, por
acaso Deus está realmente morto? Neste momento o videoclipe mostra várias
pessoas abandonando seus itens religiosos, e a sonoridade não diminui mais no “peso”
até o fim da música.
É neste ponto que aparece outra referência à filosofia
nietzschiana: ao dizer que para defender sua filosofia até o fim ele transfere
da realidade uma morte em vida, o eu-lírico está citando um conceito chamado “niilismo”.
Nietzsche escreve muito sobre isso, para ele há dois tipos de niilismo: o ativo
e o passivo.
Niilismo é a negação dos valores, é a negação da vida.
Para Nietzsche, o niilismo passivo é o das religiões, pois negam essa vida em
favor de uma outra, privam-se dos benefícios dessa, valorizando uma vida
posterior e assim, livram-se das suas responsabilidades, deixam-nas nas mãos de
Deus. Já o outro — que é o que ele diz fazer parte —, nega os valores da outra
vida em favor desta, assim, a responsabilidade de tudo cai sobre o próprio
homem, e por isso Deus morre. Ao negar os valores já postos e a outra vida, esta
vida perde o sentido, então, o homem deve criar novos valores e dar sentido à
sua própria vida.
Quando o eu-lírico diz que simpatiza com os inimigos e que
está com Deus e satanás ao seu lado, ele está falando de outro assunto que
Nietzsche valoriza muito: o amor-fati.
Amor-fati seria o amor à vida, amor ao destino; é a
aceitação da vida como um todo, com os lados bons e ruins — porque a maioria
das pessoas foge das coisas ruins, não querem vivê-las, mas Nietzsche diz que
devemos aceitar e lutar para superá-las, pois só somos o que somos, graças aos
dois lados. Ao aceitarmos isso, juntarmo-nos a Deus e satanás, isto é, ao bem e
ao mal, saímos da escuridão e passamos a sermos mais esclarecidos sobre a
própria vida.
Repete-se o refrão, mas agora o eu-lírico pede mais vinho
e diz que não precisa de pão... Ou seja, ele quer continuar iludido
(embriagado), diz que são muitos enigmas em sua cabeça, mas que ele não
acredita que Deus está morto. Interessante é que ao dizer “Deus não está morto”,
em seguida ele diz “Deus está morto”, como se fosse o outro lado, ou um eco que
só repete parte da frase (os ecos são citados no 13° verso).
A partir daí o riff da música muda, fica mais rápido, e o
lado ruim do eu-lírico domina totalmente a estrofe, dizendo que não há para
onde correr nem fugir. Nesta parte do videoclipe aparecem algumas cenas do
Planeta, como se não desse para fugir daqui, mas também pode-se pensar que não
dá para fugir de nós mesmos, de nossas responsabilidades (mesmo que tentemos
fugir da realidade com alguns prazeres momentâneos que nos iludem — o mesmo
efeito do vinho)...
Mesmo assim ele pergunta à outra parte de sua consciência
se eles se encontrarão do outro lado, no outro mundo (caso exista), se seu
outro lado realmente acredita na Bíblia (na letra em inglês é dito como “Good
Book”, que seria “Bom Livro”; talvez por ser um “livro de bondades” em um mundo
de maldades, a parte ruim do eu-lírico considere-o como um livro de mentiras,
como ele diz logo após), ou é tudo um conto de fadas considerado sagrado e Deus
está morto?
Termina com o eu-lírico repetindo sua contradição: não
acredito que Deus está morto/Deus está morto; como se fosse um eco, ou como se
fosse o “lado ruim” tentando convencer o outro através da insistência.
Como percebe-se, a letra inteira é uma luta entre dois
lados, não se trata de uma afirmação (como muitos tendem a interpretar), não se trata também da morte física/literal de Deus. A música é uma reflexão, a
análise é uma explicação de alguns pontos, mas a decisão da pergunta cabe a
cada um.