quarta-feira, 24 de junho de 2015

Estrelas

Ao olharmos para as estrelas,
olhamos para o passado,
pois esses astros estão
a anos-luz distantes de nós;
e essa sua luz, ainda assim, fascina.
O mesmo para as nossas lembranças:
a anos de distância, 
boas ou ruins, ainda assim,
alcança-nos e, às vezes,
fascina-nos.
Longe, vemo-las como algo pequeno;
perto, não vemos, vivemos;
imersos no complexo.

Fichamento comentado do livro "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2014.

Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, é um livro forte. Nele, Freire busca explicar a (triste) situação da maioria das pessoas/alunos e dá-nos possibilidades de mudar esse contexto através do diálogo, através da libertação.

É dito que, primeiramente, precisamos nos perceber no mundo, perceber a situação em que estamos inseridos, mas só isso não basta. É necessário também percebermo-nos como agentes de nossa própria história, e não como objetos criados e manipulados pela elite do país/local.

O problema do oprimido é muito grande porque, estando a vida toda preso a esta visão, passa a acreditar que este é o real; e por sempre ter sido assim, é um fato consumado. Principalmente por ideologias criadas pela mídia, como a meritocracia, em que todos possuem a capacidade de melhorar de vida, mas se não conseguem, é por incompetência do ser; ou a falsa generosidade, em que quem está no poder, finge importar-se e ajudar quem precisa, mas o que acontece é que este é um meio para as coisas continuarem como estão: quem está no topo continua no topo (e passam-se por “bons”), e quem está embaixo continua necessitado da ajuda de quem está no topo.

Para libertarmo-nos é necessária uma verdadeira revolução. A questão é muito complexa, pois, muitas vezes, o oprimido (e o “libertador” também) carrega o opressor dentro de si, colocando-se (às vezes) contra os próprios companheiros e desejando ser como os opressores; e quando não, desvalorizam-se, como diz Freire: “A autodesvalia é outra característica dos oprimidos” (p. 69), acreditando que são (por alguma “razão”, seja Deus, destino ou outra coisa) inferiores. Por isso deve-se valorizar os oprimidos, valorizar sua visão de mundo, valorizar o seu ser e ajudá-los (e assim, eles nos ajudarem e todos ajudarem-se) a serem/sermos mais, a deixar de sermos coisas e assumirmo-nos como humanos, como homens e mulheres.

O método que Freire nos propõe para esta transformação é o diálogo e a reflexão contínua, pois “(...) a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática.” (p. 73). O diálogo tem de ser verdadeiro, não um monólogo. É falar para eles e com eles — e colocar-se a ouvir também. Os temas a serem abordados devem ser temas geradores, temas da realidade do povo, temas que se problematizem, e assim, gerem outras problematizações/debates, desta forma criando conhecimento. Os alunos devem perceberem-se como autores que atuam a própria vida; percebendo-se, percebem o outro lado (a elite dominadora), e agindo — revolucionando —  acabam por libertarem-se e libertarem o outro lado também.

É por isso que Paulo Freire insiste tanto no uso do diálogo, porque dialogando são dois (ou mais) seres agindo um com o outro, e não como fazem os opressores, em que apenas um deles fala, depositando seus conhecimentos sobre o outro, como se o outro não tivesse nada a oferecer, somente a receber  é o que Paulo Freire chama de “educação bancária”. A educação bancária, além de dar-se de “forma vertical” (um está acima e o outro abaixo), coloca o aluno como alguém que tem que adaptar-se às coisas e ao mundo, retornando à ideia de que são meros “objetos”, e não sujeitos.

Enfatiza-se, também, que embora o educador não deva ser autoritário, não deve ser passivo. É preciso que na relação educador-educando haja amor, humildade, fé, confiança e pensamento crítico. Tudo isso é necessário para que haja o verdadeiro diálogo e assim, a mudança do ser para o “ser mais”. Paulo Freire nos adverte também para que não caiamos no erro de apenas mudar o oprimido de lugar: antes, da elite; agora, “nosso”. Não é colocar a nossa visão sobre o educando, é juntamente criarmos uma nova visão (e ação).

Devemos nos diferenciar em tudo dos opressores: se eles não dialogam, dialoguemos; se eles não causam revolução, mas sim, opressão, então causemos revolução e libertação; se eles tentam manter-nos afastados, devemos unirmo-nos; se eles pensam em “conquistar o povo”, não devemos conquistá-los, mas assumirmo-nos como povo e fazermos parte dele, porque “Todo ato de conquista implica um sujeito que conquista e um objeto conquistado(...)” (p.186), e ninguém deve ser tratado como objeto.

Discute-se muito sobre a alienação, algo que sempre temos de lutar contra, despertando o verdadeiro pensar. A elite teme isso, tanto que “(...) em certos níveis seus, até instintivamente, usam todos os meios, mesmo a violência física, para proibir que as massas pensem” (p.201).

O opressor, ao mesmo tempo em que aliena o oprimido, invade sua cultura e vida, e o oprimido, por estar alienado, não percebe. Nas palavras de Freire: “(...) Os invasores atuam; os invadidos têm a ilusão de que atuam, na atuação dos invasores” (p. 205), assim, os oprimidos terão sempre em mente a cultura da elite, “(...) quererão parecer com aqueles: andar como aqueles, vestir à sua maneira, falar a seu modo” (p. 207). É por isso que a invasão cultural é uma violência e manipulação; é por isso que se deve conscientizar as pessoas ao máximo para que, com elas, superemos a falsa cultura, passemos a criar a verdadeira cultura, a sermos seres culturais, ao invés de sermos criados/moldados à forma do outro.

Não trata-se de conquistá-los, mas de colaborarmos uns com os outros. “O que distingue a liderança revolucionária da elite dominadora não são apenas seus objetivos, mas seu modo de atuar distinto (...)” (p. 226). Ninguém se liberta sozinho, mas ninguém doa liberdade a alguém, é um processo em que um ajuda o outro a se formar, a ser mais. “Daí que não possa a liderança dizer sua palavra sozinha, mas com o povo. A liderança que assim não proceda, que insista em impor sua palavra de ordem, não organiza, manipula o povo. Não liberta, nem se liberta, oprime.” (p. 243).

Por fim, é isto que Paulo Freire busca neste livro, a luta e a crítica à realidade em busca de melhorias; a busca ao diálogo; à libertação e ao engajamento dos povos nos processos sócio, histórico e culturais; a busca à valorização da vida. Como ele diz sobre o próprio livro: “Todo nosso esforço neste ensaio foi falar desta coisa óbvia: assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de sua ação.” (p. 252).

Conclusão

Este livro mostra o quanto a realidade é complexa e exige uma postura radical — uma verdadeira revolução — para caso queiramos mudá-la. Paulo Freire demonstra e explica como funciona o sistema opressor, suas táticas, ideologias e suas consequências sobre o outro.

Não só isso, ele também mostra e cria formas de combater esta violência, que é, em primeiro lugar, dialogar com os oprimidos. Para libertar-nos, precisamos estar junto dos outros e estes, nos ajudando a libertar-nos, libertam-se também.

O livro diz que não somos salvadores ou libertadores do povo, mas que devemos aprender a sermos construtores de nossa própria vida, porque somos humanos, não somos objetos. E que, para acontecer uma verdadeira revolução, devemos ser verdadeiros conosco e com os outros: não é fazer-se diferente, mas fazer-se semelhante; não é falar para o povo, é falar com o povo, sobre o povo e sobre o mundo, isto é fazer-se e fazer o mundo.