De maneira (muito) resumida:
Shakespeare foi/é um dos maiores autores que o mundo já viu, nascido
possivelmente em 1564 e falecido em 1616, desenvolveu suas obras (poemas e
peças teatrais) no período do Classicismo.
O Classicismo encontra-se dentro
de um período histórico chamado Renascimento, que foi uma época de
grandes mudanças em todos os âmbitos (sociais, religiosos, filosóficos,
econômicos, políticos etc.): iniciam-se as grandes navegações, começa-se a
mudança de sistema (feudalismo para "capitalismo"), a igreja católica
perde seu poderio, muda-se a visão de teocentrismo para o
antropocentrismo e, principalmente, surge a Imprensa de Gutenberg.
Com a imprensa, muitos livros são
publicados, assim, as ideias e obras de filósofos passam a ser conhecidas por
muitos. Surge uma nova mentalidade, o homem considera-se em um período
iluminado e renascido. Cheio de descobertas, busca diferenciar-se de outrora,
agora buscando elementos da cultura grega e romana para adotar em suas obras.
Portanto, a arte será racional; valorizarão a ciência, o engenho e valores
da Era Clássica. Que fique claro: de maneira (muito) resumida.
Traduzido
por Ivo Barroso, este soneto faz parte de "Os Melhores Sonetos de William Shakespeare" (Saraiva de Bolso). Como se sabe, o soneto é composto por 4
estrofes, sendo 2 quartetos (estrofes com 4 versos) e 2 tercetos (estrofes com
3 versos), podendo ser decassílabo (versos de 10 sílabas poéticas) ou
alexandrino (versos de 12 sílabas poéticas). Mas existe um
"tipo" de soneto próprio de Shakespeare, também chamado "soneto
inglês". Este modelo possui a estrutura de 3 quartetos e 1 dístico
(estrofe de 2 versos); diferente do soneto italiano, o soneto inglês não é feito
em estrofes separadas, mas todo junto; apenas os dois últimos versos se diferenciam
por estarem 2 espaços à frente dos outros. Mantendo a fidelidade ao livro, eis
o poema:
Soneto XIX
Tempo voraz, ao leão cega as
garras
E à terra fazes devorar seus
genes;
Ao tigre as presas hórridas
desgarras
E ardes no próprio sangue a
eterna fênix.
Pelo caminho vão teus pés
ligeiros
Alegres, tristes estações
deixando;
Impões-te ao mundo e aos gozos passageiros,
Mas proíbo-te um crime mais
nefando:
De meu amor não vinques o
semblante
Nem nele imprimas o teu traço
duro.
Oh! permite que intacto siga
avante
Como padrão do belo no futuro.
Ou antes, velho Tempo, sê
perverso:
Pois jovem sempre há-de o
manter meu verso.
//
Temos,
então, aqui, um soneto decassílabo, ou seja, cada verso possui exatamente 10 sílabas
poéticas (lembrando que sílaba poética não é o mesmo que sílaba gramatical).
Quanto ao esquema de rima, segue-se: ABAB - CDCD - EFEF- GG. Percebemos o uso
de antíteses com as palavras: garras/desgarras (mesmo em sentidos diferentes,
uma sendo substantivo e a outra sendo verbo), vão/deixando, alegres/tristes,
eterna/passageiros, proíbo/permite, belo/perverso, futuro/antes, velho/jovem.
Quanto ao
conteúdo, o poema mostra um monólogo entre o eu-lírico e o Tempo - perceba que
o "Tempo" sempre aparece com letra maiúscula, pois é uma das
características da cultura grega. Não se trata do "simples tempo",
mas sim, do "Senhor Tempo", como se fosse uma divindade.
Inicia-se
com o eu-lírico falando das consequências do tempo sobre as coisas e seres,
como as garras do leão que se tornam cegas ou as presas do tigre que se desprendem;
além da terra que devora aquilo que está sobre ela, no caso, são citado os
"genes".
Fiquemos
atentos à forma como foi colocada os genes: "Tempo voraz, ao leão cega as
garras/ E à terra fazes devorar seus genes (...)". Há um duplo sentido
nessa frase. Ao mesmo tempo em que nos faz pensar que o tempo faz a terra
devorar os genes do leão que teve as garras cegas, também nos faz pensar que a
terra devora os próprios genes (num ciclo), como se a vida tivesse vindo da
terra — podemos até se pensar que o eu-lírico refere-se aqui à Bíblia, por nela
ser dito que Deus criou o homem do pó, da terra.
Embora o elemento
cristão não seja parte principal das características ou pensamento do
Classicismo, há ainda algumas passagens que nos remete à religião cristã e ao medievalismo.
Termina-se a primeira estrofe com o eu-lírico dizendo que o Tempo arde no
próprio sangue a fênix, que, lembremos, é um ser mitológico da Grécia (que
é onde os "classicistas" buscavam elementos); uma ave que vivia 500
anos e após isso, renascia das cinzas, significando o renascimento e
imortalidade (o próprio eu-lírico diz: "[...] a
eterna fênix").
Na
segunda estrofe, ele diz o quanto o tempo passa rápido e alegremente, deixando
as estações tristes (percebamos a antítese), a tristeza, para trás. É dito,
também, que o Tempo impõe-se ao mundo, fazendo tudo ser passageiro (assim como
já dizia o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso, na Grécia); e termina a
estrofe proibindo — ou seja, o eu-lírico está opondo-se àquele que se opõe a
tudo — o Tempo de um único ato: não arrancar a face do seu amor, nem nele
imprimir o seu traço duro, para que ele siga intacto e como modelo de belo para
o futuro.
É bom
lembrarmos que dois dos ideais gregos eram a busca pelo belo, pela perfeição; e pelo padrão/forma a seguir, que aqui o autor
também busca. O próprio soneto é considerado um modelo perfeito e extremamente
racional, é uma fórmula/estrutura considerada perfeita/bela.
O
eu-lirico diz ainda mais: já anuncia que o Tempo obedecê-lo-á, deixando seus
versos jovens para sempre, ou seja, eternamente atuais. Isso mostra o quanto o
eu-lírico, representando o homem, considerava-se acima de tudo, no centro de
tudo. O que era realmente o pensamento da época.
//
E assim
como foi dito, os poemas de Shakespeare até hoje continuam atuais. Ele
realmente se impôs ao Tempo, assim como todos os grandes autores e obras. Todos
os notáveis pensadores/autores, de qualquer área e época, já estavam além de sua época. Não é à toa que levamos anos para entendê-los.