sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A besteira do "Não fale mal do meu candidato"

Ninguém gosta de ouvir, ler ou ver que a verdade não está ao nosso lado, mas, pelo contrário, contra nós. Dói. Machuca. As reações, dependendo da pessoa, são diferentes. Alguém inteligente reflete, percebe o erro e busca melhorar a sua opinião sobre os fatos. Os ignorantes são diversos, eles podem parar de falar com quem lhes apresenta visões distintas das suas, ou são capazes de agredir quem lhes corrige, ou ainda, se forem mais infantis, apenas se recusam a ouvir.

Algumas vezes, quando se é criança, esta, orgulhosa, egoísta, idiota, somente para não dar o braço a torcer, tapa os ouvidos, grita ou faz barulho para abafar o som, a fala, a verdade que vem do outro. É uma ação ridícula, sim, todavia não cometida apenas por menores, mas, frequentemente, por adultos, o que demonstra que, em alguns indivíduos, o corpo cresce, mas a mentalidade, não.

Por exemplo, durante os últimos meses do governo de Dilma, muita gente, alegando não querer dar atenção para a corrupção, iniciou o chamado “panelaço”, que nada mais era do que bater panela enquanto a ex-presidente discursava na TV. As pessoas que esse grupo que se dizia “anticorrupção” apoiava, uma a uma, foram acusadas, investigadas e, algumas, condenadas por corrupção. Há uma lista enorme de sujeitos investigados e comprovadamente culpados por diversos crimes, mas que ainda possuem privilégios que não os permitem ser presos. O que o pessoal das panelas fez e faz agora? Nada.

Quando conseguiram o impeachment, inteligentes como são, disseram que o país melhoraria, que se tiraram a Dilma, tirariam o Temer e todos os outros que fossem ruins. Nada disso aconteceu, o país piorou. Muito. Os escândalos de corrupção aumentaram, pouca justiça foi realizada, muita injustiça está sendo praticada e refeita diariamente. O que fez o grupo que vestia verde e amarelo, que gritava, que dançava? Isto mesmo: dançou, mas silenciosamente.

Agora, passado um tempo, com a ascensão de novos candidatos ao cargo de salvadores da pátria, de defensores dos bons costumes e da família, de pseudo-mártires, os ignorantes, tanto no sentido de que desconhecem os fatos, quanto no de que são agressivos, voltaram. Retornaram com uma estratégia que demonstra a sua incompetência. Ao verem o seu mito ser desmistificado, lançaram mão de uma imagem que diz: “Não fale mal do meu candidato. Fale bem do seu e tente me convencer”. Inteligentes, não? Aliás, atenção aos verbos no modo imperativo, que dão ordens: "não fale", "fale", "tente".

É a mesma história dos panelaços, de gente que não quer ouvir, ler (isso é o que menos quer) ou ver a realidade (ou realidades diferentes); é coisa de pessoas que não assumem o erro, que desconhecem que a política é coletiva, que requer diálogo e comprovações a favor ou contra personalidades e ideias; que não sabem que uma das estratégias da dissertação é o contra-argumento; que além da tese há uma antítese, para se chegar à síntese; que desconsideram até mesmo a hipótese de que o outro pode não ter um candidato escolhido para defender ou para falar bem, mas que está apenas avaliando todos e que, no momento, está pontuando as partes negativas do concorrente em questão. É difícil entender isso? Parece que, para eles, mais do que complicado, é impossível.

Desta forma, não adianta enaltecer A ou C, se você já está decididamente cego pelo B.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Breve análise do conto "Cabelos compridos", de Monteiro Lobato


Monteiro Lobato foi um renomado escritor brasileiro, inovador na forma de tratar alguns assuntos, crítico de tabus e problemas da sociedade da época, prosador racionalista e progressista, que olhava para diferentes regiões nacionais e temas sociais, porém, em razão do caráter moralista e didático de suas obras, não pôde ser considerado completamente “modernista” (e nem ele queria sê-lo), apenas “pré-modernista”.

Ora, o Pré-Modernismo é caracterizado por questionar-se mais profundamente sobre o que é, de fato, o brasileiro. Lima Barreto e Euclides da Cunha, por exemplo, mostraram aspectos e tipos de pessoas que os leitores não conheciam, como os negros ou os pobres nordestinos, ou conheciam de forma deturpada (como os sertanejos e os índios idealizados de José de Alencar). Porém, esses escritores também não podem ser considerados “modernistas”, faltava algo a eles: romper com a forma tradicional da escrita realista, ação que só a geração posterior fez.

Como é característica de Monteiro Lobato, suas histórias possuem personagens cômicos, até mesmo ridículos, como acontece no conto Cabelos compridos. A narrativa traz a história de Das Dores, uma mulher que “É feia, desengonçada, é inelegante, é magérrima, não tem seios, nem cadeiras, nem nenhuma rotundidade posterior; é pobre de bens e de espírito”, mas é uma pessoa “boazinha”. A única coisa que a personagem tem mais do que as outras é “cabelo”. O narrador chega até a citar uma frase de Schopenhauer: “Cabelos compridos, ideias curtas”. Essa citação, argumento de autoridade, em tom de piada, demonstra a racionalidade e o humor de Monteiro Lobato, mas que também são características do pré-modernismo.

Além disso, a personagem, Das Dores (e este nome já é significativo), é pobre, uma das classes investigadas pelos pré-modernistas, e representa grande parte da população brasileira, que “só faz tudo que outras fazem e por que as outras o fazem”. É o retrato do povo simples, inculto, que não reflete sobre os próprios atos e, por isso, apenas repete as ações, que se tornam costumes e tradições (muitas, ruins).

É nisto que se concentra o enredo do conto: a protagonista, um dia, vai à missa, e o cônego, dentre tantas coisas que diz e que não são entendidas pelo público — o que já é uma crítica à forma de tratamento e  ao discurso (que, por muito tempo, aliás, era feito em latim!) dos padres —, fala que deve-se refletir sobre cada palavra das orações cotidianas, pois se não o fizesse, seriam palavras em vão. Das Dores, a partir daí, fica pensativa.

Abismada, a protagonista foi falar sobre o assunto com uma tia, que “mastigou em ‘pois é’ que dava toda razão ao padre”. Trecho significativo do conto, porque indica duas ocasiões: a primeira, que Das Dores realmente estava refletindo sobre as palavras do cônego; a segunda, que sua tia não estava dando devida atenção às palavras da sobrinha e muito menos às do padre. Situação dialética.

Característica da maioria dos contos, o tempo segue cronologicamente, portanto, chega a noite, hora de a personagem rezar, coisa que sempre fez, mas agora ela refletiria sobre cada palavra. O espaço, fechado, o que dá mais tensão, é o quarto, somado à noite que, como se sabe, é um momento onde aguçam-se as subjetividades, o que acaba causando conflitos em Das Dores, porque ao pensar numa palavra, associa-a a pessoas, a lugares etc., não conseguindo terminar a oração e concluindo, equivocadamente, justamente por sua ignorância, que o cônego é quem está errado. É o fim do drama do personagem, como pede o gênero conto, sempre ao final.

A narrativa enquadra-se no Pré-modernismo por trazer essa personagem, mulher, feia, desengonçada, pobre, inculta, em suma, marginalizada, para a discussão, para a literatura, pois, antes, pessoas assim eram ignoradas pelo mundo das letras, como se não existissem; além, também, do estilo do conto não romper nenhuma convenção formal.

Monteiro Lobato, satírico e, ao mesmo tempo, com vontade de melhorar progressivamente o país, apontou para essas existências e para outros problemas pragmáticos. O cônego que fala somente para si, já que muita gente não o entendia, com aquela retórica toda, é outro obstáculo: o da comunicação e acessibilidade à linguagem. A tia de Das Dores, Vicência, “velha sabidíssima em mezinhas e teologias”, pode representar conhecedores de religiosidades não-cristãs, que não eram nem mencionados por muitos.

Enfim, o conto é curioso e chega a ser engraçado, em razão das descrições feitas pelo narrador, mas funciona e passa sua mensagem principal, mesmo que ao avesso: é por levar as palavras ao pé da letra, por sua ingenuidade e sua ignorância, que Das Dores não compreende o padre e pensa que ele pode estar errado: “pela primeira vez na vida duvidou”. Ao mesmo tempo, a história demonstra a dificuldade de parte da população, simples e pobre, para com a linguagem.

REFERÊNCIAS

LOBATO, Monteiro. Cabelos compridos. Disponível em: <https://tessellatedhearts.wordpress.com/2012/02/20/cabelos-compridos-monteiro-lobato/>. Acesso em: 14 set. 2018