sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A construção do eu através do outro

Sabemos sobre as dialéticas da sociedade e da vida. Uma que sempre se fez presente é a de que, como seres individuais, sempre precisamos do outro para sermos o que somos, mesmo que esse outro seja uma utopia. Diz-se que utopia é mais uma contradição da vida, mas ela é necessária à sua existência e continuidade, porque nunca somos um eu, aqui e agora.

Por que é tão difícil conhecer a si mesmo, principalmente nos dias atuais? Ora, desde sempre valorizamos a opinião do outro (a opinião do outro sobre nós mesmos — mesmo que ele discorde da nossa opinião, se pedimos a sua palavra é porque a valorizamos) e, assim, criamos uma imagem do que somos. Mas por que precisamos do outro? Pode parecer simples e até bobo, mas nós não nos enxergamos (e quando não nos vemos ou conhecemos, ficam as lacunas), daí vem essa necessidade.

É difícil saber ou conhecer algo sem ver tal ser ou coisa; geralmente, através dos sentidos e do contato é que podemos ter uma noção do que aquilo é. Entretanto, é impossível que nos vejamos por completo; normalmente, vemos uma parte ou outra, por isso temos essa falta de confiança e precisamos da observação e da palavra de quem está ao lado, à frente ou disposto a “nos dar uma visão”. Até aqui, embora seja a visão do outro, é algo “real”. Agora, quando não temos ninguém, procuramos alguém; e um dos locais em que buscamos é a internet.

Hoje estamos todos interligados pelas redes sociais, no entanto, cada vez mais sozinhos. Mas antes de entrarmos nesses “locais”, adentramos um outro lugar, que está em todas (ou em quase todas) as casas: o espelho. Lá é onde vemos nossa imagem “completa” — mas nossa imagem não é o nosso eu. Aparecemos lá, mas não estamos ali; aquele não sou eu, mas uma representação minha — e dela dependo.

Alguns filósofos e religiosos já apontavam para a necessidade de termos um tempo sozinhos, um “tempo conosco mesmo”, para nos conhecer através de nós mesmos, mas cada vez mais isso não acontece. Somos sempre dependentes de algo ou alguém, há um medo enorme da solidão e uma falta de confiança em si mesmo. 

É por isso que gostamos de espelhos, é como se observássemos alguém e esse alguém nos observasse também, é como se estivéssemos acompanhados.
 
Mas aquele outro não é real, é utópico.  É o medo de estar sozinho; por isso, sempre quando o estamos, ligamos a televisão, o computador, lemos um livro (quando gostamos e nos identificamos com algum personagem, pensamos não estarmos sozinhos nesse mundo), ligamos o rádio, etc. — aliás, atualmente há pessoas que não conseguem mais sair de casa sem os fones de ouvido, eles precisam sempre estar ouvindo alguém ou algo que lhe seja familiar —, e isso acarreta em outro “espelho” já citado: as redes sociais.

O Facebook é um grande exemplo de utopia, do que queríamos que fosse real, mas não é. Os amigos, as frases motivadoras ou “sábias”, tudo são imagens, tudo são utopias, tudo é virtual, não possuem valor, não se passa no plano real. O Facebook é o espelho que, melhor do que o real, além de vermos a nossa representação, não vemos o que não desejamos ver, basta bloquear o indivíduo (assim não vemos mais nada dele e nem ele vê nada nosso) ou o post. Ora, desde quando na vida real deixamos de ver o que está em nossa frente? Só se fecharmos os olhos, mas o outro ainda nos vê. Desde quando evitamos a fraqueza e o sofrimento? 

Todos sabem que quem busca ter muitos amigos, não os possui; quem busca felicidade (e a felicidade é apenas um momento, um instante, devemos nos lembrar disso), não a tem; quem busca rir a todo o momento, é porque tem uma vida triste. Buscamos sempre conhecer e ter alguém, porque não conhecemos nem temos a nós próprios.

3 comentários:

  1. Nós somo aquilo que conhecemos de nós mesmos e os outros não conhecem, nós somos aquilo que conhecem da gente e não conhecemos de nós e nós somos aquilo que nem nós e nem o outro conhecemos de nós mesmos. Cada pessoa é um mistério profundo.

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  3. Eu adoro essa temática, a noção da constituição do sujeito me fascina! Ainda mais vendo pelo viés da psicanálise. Lembrei-me de um trechinho de uma carta escrita por Rimbaud: "É falso dizer: “Eu penso”. Devíamos dizer: “Pensam-me”. Perdão pelo jogo de palavras. Eu é um outro. Tanto pior para o lenho
    que se descobre violino, e provoca os inconscientes, que chicanam contra aquilo que ignoram por inteiro!".

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